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Gauss, a pecuária e nós

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É comum nas fazendas de pecuária de corte pelo menos uma vez ao ano um aparte do rebanho, sob um critério muito conhecido nas prosas pecuárias: cabeceira, meio e fundo. É uma ferramenta de seleção dos melhores animais para determinado propósito produtivo que tem nos princípios da Curva de Gauss a sua validação matemática. Tal prática contribui para a evolução de uma determinada população em busca de maior qualidade, inclusive tem aplicações na nossa própria sociedade humana.

Uma vez em um dia de campo em Maracajú-MS escutei de um experiente selecionador de gado, Sr. Arthêmio Olegário, que em todo lote de animais vai haver sempre a cabeceira, o meio e o fundo, seja para peso, ganho de peso ou acabamento de carcaça. Cabe ao apartador identificar corretamente e dar o devido destino a cada parte. Meu pai, usando termos diferentes, fazia o mesmo quando selecionava as bezerras para reposição nas fazendas que assessorava, em que a “boiada” (cabeceira) permanecia no rebanho de cria, e o meio e o “refugo” (fundo) rumavam para venda ou abate. O interessante é que essa ação sempre acontecia nas fazendas, o que me intrigava quando criança, pois a ideia era que o rebanho evoluísse a tal ponto que não houvesse mais descartes. Contudo, um estudioso nos provou o contrário com fatos e dados.

Estudos matemáticos no século XIX aplicados à estatística desenvolvidos pelo alemão Carl Gauss demonstraram que tal distribuição de populações irá ocorrer sempre, e que quando colocada em formato de gráfico constrói uma curva, a famosa Curva de Gauss. O pico da curva seria a média dos valores do item em análise, o “meio” portanto. Valores antes da média o “fundo”, e valores depois da média a “cabeceira”. Quanto mais “aberta” e alongada essa curva maior é a variabilidade dos valores, isto é, maior o desvio padrão.

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É nesse ponto que a pecuária e Gauss se encontram de forma interessante, pois o grande papel do selecionador é fazer com que seu rebanho evolua em função de melhores características produtivas, aumentando os valores médios, deslocando essa curva à direita, com uma maior média de peso à desmama ou maior grau de marmoreio na carne, por exemplo. Ao mesmo tempo, o apartador espera uma menor variabilidade nos lotes, o chamado lote “pareio” (flexão sertaneja para o termo parelho que se refere à similaridade). Portanto, os boiadeiros e técnicos já vinham aplicando desde muito tempo na prática conceitos da estatística, o que contribuiu em muito para evolução do rebanho brasileiro e da qualidade da carne produzida aqui.

A apartação já tem evoluído muito e hoje não somente se baseia em avaliações visuais, fruto da grande experiência dos boiadeiros e técnicos, mas também pela comprovação por meio da avaliação genética nos programas de melhoramento e com ferramentas como a ultrassonografia de carcaça que mede área de olho de lombo e espessura de gordura subcutânea. Quando se fala em qualidade de carne tal apartação e ferramentas são fundamentais na busca de peças de carne com o alto padrão de marmoreio, maciez e sabor, ou para outros nichos de mercado, onde se buscam peças com baixo grau de gordura e perfil de ácidos graxos específico.

O conceito cabeceira, meio e fundo reitera o mote da cadeia da carne de que “boi de primeira não tem carne de segunda”. Gauss e a matemática estão muito presentes na nossa lida diária dentro da porteira. São curvas que se encontram, dão voltas no mundo, fundem conceitos em funções complexas da ciência e da sabedoria boiadeira, sobretudo, abrem caminhos para um único propósito que é a produção com qualidade.

Na seara da humanidade em tempos sombrios da política tal conceito estatístico tem sua relevância, afinal na distribuição de líderes devemos saber muito bem em qual ponto da curva escolhe-los e assim também evoluir.

Texto por José Pádua

Especialista em Produção e Nutrição de Ruminantes pela Esalq-USP, Médico Veterinário pela Unesp-Jaboticabal, Consultor-sócio da Terra Desenvolvimento Agropecuário, Membro da Comissão Jovem da Famasul-MS.

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