Outros olhares sobre os alimentos frescor imagem Sébastien Decamme1

Outros olhares sobre os alimentos: frescor

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Fresco. O que isto significa para você? Não, não estou falando em gírias, muito embora as palavras“frescor”e “frescura” possam ter distintas conotações.

Refiro-me a um alimento fresco. O que é isto para você? Recém colhido? Recém abatido? Recém espremido? Recém preparado? Produzido perto de onde é consumido? Armazenado em um local onde bate o vento fresco da manhã? Geladinho? Não industrializado? Não embutido? Não salgado? Você já parou para refletir sobre isto?

O Dicionário Houaiss nos ensina que o termo “fresco” pode ter vários significados, e os que podem ser atribuídos aos alimentos são os seguintes: “ligeiramente frio; ameno; bem arejado; que não está quente; colhido, extraído, abatido ou produzido há pouco tempo; carne que não foi submetida à processo de conservação”.

Não há como negar que uma fruta madura colhida por nós mesmos da própria árvore que a produziu nos traz uma sensação de frescor e sabor diferentes da fruta que compramos no supermercado. Assim como os vegetais que compramos numa feira de rua parecem ser mais frescos do que os comprados no mercado, talvez por terem passado (ou nos darem a impressão de ter passado) por menos mãos desde o produtor até o consumidor. Sim, em algumas situações o próprio produtor leva seus hortifrutigranjeiros até a feira, mas em operações maiores houve um atravessador ou transportador que levou o produto até a feira. Ainda assim, nos parece mais fresco – e pode realmente ser.

E a carne fresca? Quantos significados ela pode ter? Existem fazendeiros que fazem o abate dos animais (bovinos ou ovinos) nas próprias propriedades onde eles são produzidos, para consumo próprio. Um caçador que tem sucesso em sua caça estará certo de comer um alimento fresco. Neste sentido, alimento fresco é aquele recém abatido.

Em países da Ásia, e citarei como exemplo a China, alimento fresco é aquele recém abatido. Reflexo disto é que se você for ao supermercado poderá imaginar ter chegado em uma pet shop, pois verá na seção de carnes diversos aquários com crustáceos, enguias, peixes e moluscos dentro da água, vivos, junto com uma concha e saco plástico para você literalmente pescar o que vai comprar, colocar em um saco plástico e passar pelo caixa do supermercado com um saco amarrado com água e enguias dentro. Este consumidor prefere, ele mesmo, cuidar do assunto em casa. Nas feiras de rua, o mesmo acontece. Patos, gansos, frangos, e muitos outros animais são levados à feira ainda vivos, abatidos na frente do consumidor que o escolheu, e levados para casa ainda quentes. Portanto, neste sentido, o fresco é o quente.

Pode surpreender, mas um dos grandes desafios dos Estados Unidos ao exportar carne bovina para a China foi explicar que a carne deles era fresca, afinal, para enfrentar o longo tempo de transporte em navios entre os países, a carne era congelada. Chegando lá, os chineses achavam que “congelado”, não podia ser “fresco”. Foi necessário um trabalho intenso e permanente da entidade promotora de exportações de carne norte-americana (USMEF – U.S. Meat Export Federation) com chefs de cozinha e influenciadores do segmento culinário para explicar que, apesar de congelada, a carne americana era fresca.

Em outro extremo, em países com um alto grau de industrialização e processamento de alimentos como o próprio Estados Unidos, onde o padrão é o produto processado, pré-pronto, pré-frito, pré-cozido, etc., passa a ter valor o fresco que tem a conotação de recém preparado. Por exemplo: o suco de laranja vendido no Brasil muito provavelmente será espremido depois da solicitação do consumidor. Nos Estados Unidos, como o padrão é o suco já industrializado, se por acaso ele for espremido na hora poderemos ver, em letras garrafais: “freshly squeezed”. Assim como o pão, se estiver sendo assado naquele local, e com frequência, terá destaque o atributo “freshly baked”.

Em vários países também existe um modelo de negócio de sucesso (pick your own) que é permitir ao consumidor a entrada em pomares de frutas para que ele próprio colha suas frutas do pé e pese o que foi colhido para então pagar. Nada muito diferente dos “pesque-pague” que temos no Brasil, que unem a conveniência ao frescor. E ajuda os pescadores a contarem boas histórias.

Então era isto. Da próxima vez que você for à uma padaria para seu café da manhã, reflita sobre o frescor do pãozinho (recém assado), do suco de laranja (recém espremido), e do café (recém passado) que você irá desfrutar. E, caso ache os exemplos de outras culturas muito estranhos, fique feliz por não ter sido convidado para comer uma refeição bem fresquinha, na Ásia.

Fonte consultada:

Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Editora Objetiva, 2009

 

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Andréa Veríssimo

Médica veterinária e Mestre em Administração Rural pela Lincoln University da Nova Zelândia. Apaixonada por carne, teve na infância vivida na fazenda de gado de corte e arroz da família o início deste fascínio, que pautou sua atuação profissional na fundação do SIC – Serviço de Informação da Carne e na promoção internacional da carne brasileira, quando gerenciou o Programa Brazilian Beef da ABIEC. Muitos churrascos para europeus, asiáticos e árabes depois (foi sempre tão bom que nem parecia trabalho!), especializou-se em public affairs ao atuar na Elanco Saúde Animal e BASF Agro e FIERGS. Mãe, esposa e hoje pecuarista no sul do Brasil, além de proprietária da Avelã Public Affairs, continua adorando aprender mais sobre tudo e explicar ao mundo urbano o que é o agronegócio, esclarecendo dúvidas e contando histórias.

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