Entenda os diferentes tipos de produção e como influenciam na carne que você come
O Brasil é o maior produtor, consumidor e o segundo maior exportador de carne bovina do mundo (USDA, 2015). A maior parte da produção brasileira de carne bovina é produzida a pasto, com um rebanho próximo de 209 milhões de cabeças e com cerca de 20% de todo o território brasileiro ocupado por pastagens, enquanto apenas 3% de todo o rebanho são estimados que sejam terminados em sistema intensivo (ABIEC, 2015).
Porém, em um dos meus estudos (CHINI, 2013), a imagem central da produção de carne bovina, para os consumidores entrevistados foi formada pelo atributo “confinamento”, o que pode demonstrar a falta de informação sobre como a nossa carne é produzida.
Você já deve ter ouvido falar sobre a produção de bois a pasto e de confinamento, mas você sabe no que elas se diferenciam?
A Pasto: é o sistema de criação que os animais crescem livres no campo. Eles podem se alimentar do próprio pasto e/ou de ração.
Confinamento: é o sistema de criação em que lotes de animais são encerrados em piquetes ou locais com área restrita, onde os alimentos (ração) e a água necessários são fornecidos em cochos. Esse sistema de criação visa acelerar a engorda otimizando o processo produtivo.
Diferenças nutricionais:
Ômega 3:
Os ácidos graxos Ômega 3 e Ômega 6 são ambos importantes para a saúde. Nosso corpo não tem as enzimas para produzi-los e, portanto, só conseguimos obtê-los através da alimentação. Por isso, são chamados de “essenciais” e, caso se não os consumimos, ou seja, a deficiência destes ácidos podem nos levar a algumas doenças.
A ingestão do ômega 3 auxilia na diminuição dos níveis de triglicerídeos e colesterol ruim LDL, enquanto pode favorecer o aumento do colesterol bom HDL, além de ter um papel importante em alergias e processos inflamatórios.
O Ômega 6, assim como o Ômega 3, também pertence às conhecidas gorduras boas. O Ômega 6, embora seja um importante nutriente para o organismo, quando consumido em excesso e havendo um desequilíbrio com o ômega 3, acaba se tornando pró inflamatório, enquanto ômega 3 favorece a ação do sistema imunológico e têm um efeito anti-inflamatório. O excesso de inflamação pode ser um dos principais condutores das doenças mais graves que tratamos hoje, incluindo doenças cardíacas, síndrome metabólica, diabetes, artrite, Alzheimer, muitos tipos de câncer, etc. (VITALATMAN, 2016).
A busca pelo equilíbrio entre estes dois ácidos graxos está relacionada com os processos bioquímicos que ocorrem após a sua ingestão. As famílias destes ácidos graxos competem por enzimas que atuam na dessaturação e alongamento da cadeia. Mesmo essas enzimas tendo maior afinidade pelo ômega 3, uma alta concentração de Ômega 6 interfere na metabolização do ácido Ômega 3 (MARTIN, 2006).
Estudos mostram que a razão entre Ômega 6/3 difere conforme a alimentação do gado e que é menor em animais terminados em pasto. Para a Organização Mundial da Saúde (2003), a razão de consumo de ômega 6/3 ideal deve estar abaixo de 4. Veja no quadro abaixo o resultado das pesquisas.
Vitamina A – Betacaroteno:
Betacaroteno, um antioxidante lipossolúvel, é derivado do nome latino cenoura, que pertence à família dos químicos naturais conhecidos como carotenos ou carotenóides. A vitamina A é uma vitamina lipossolúvel essencial, importante para a visão normal, crescimento dos ossos, reprodução, divisão e diferenciação celular. Descalzo et al, 2005 descobriram que o gado criado a pasto incorpora quantidades significativamente maiores de betacaroteno nos tecidos musculares quando comparados aos animais confinados. As concentrações variam de 0,63 – 0,45 µg/g no gado a pasto e de 0,06 – 0,5 µg/g para gado confinado, um aumento dez vezes maior em níveis de betacaroteno. (ABIEC, 2016).
Vitamina E:
A vitamina E é também uma vitamina lipossolúvel que existe em 8 diferentes formas com atividade antioxidante poderosa, sendo a mais ativa a alfa-tocoferol. Os antioxidantes protegem as células contra os efeitos dos radicais livres. Os radicais livres são subprodutos potencialmente danosos ao metabolismo orgânico, e podem contribuir para o desenvolvimento de doenças crônicas tais como câncer e doenças cardiovasculares (ABIEC, 2016).
Estudos têm mostrado que animais criados e alimentados a pasto possuem maior quantidade de vitamina E do que os animais criados em confinamento (SCHOLLAN et al, 2006; WARREN et al, 2008).
Gordura:
Os animais criados a pasto apresentam menor concentração de gordura, por apresentarem carcaças mais magras e por terem sido abatidos com peso mais baixo (ABIEC, 2015). A gordura também está relacionada à alimentação do gado. Por serem alimentados com ração, os animais de confinamento tendem a apresentar maiores níveis de gordura. Além disso, os animais a pasto, por serem criados livres, se movimentam mais, o que também interfere na quantidade de gordura.
Um bife de cerca de 170 gramas produzido em confinamento possui 4,4% de gordura, enquanto o bife produzido a pasto possui 2,8% de gordura. Porém, a composição da gordura entre os dois tipos de carne também difere. Segundo ela, a carne produzida a pasto tem desvantagens nesse sentido, com mais gordura saturada e menos gordura monoinsaturada, enquanto a carne produzida com grãos tem mais gordura monoinsaturada do que saturada. A carne produzida à base de milho teria vantagens nutricionais, já que a gordura monoinsaturada melhora a palatabilidade, aumenta o colesterol “bom”, reduz os sintomas de diabetes tipo II (BEEFPOINT, 2016).
CLA
O CLA (ácido linolêico conjugado) é um ácido graxo, uma das substâncias que compõe o que se chama de gorduras ou lipídeos. Trata-se de um composto natural, existenteem diferentes formas, de acordo com o arranjo de suas moléculas (FIGUEIREDO; SANTOS).
Nas 2 últimas décadas, numerosos benefícios de saúde foram atribuídos ao CLA em experimentos animais, incluindo ações para reduzir a carcinogênese, aterosclerose, estabelecimento da diabetes e massa corporal gorda. Os estudos demonstraram que a carne do gado a pasto tem 200 a 500% mais CLA em proporção aos ácidos graxos totais que a carne de gado com dieta baseada principalmente em grãos (ABIEC, 2016).
Ambas possuem pontos positivos e negativos. Porém, é importante que você saiba que nem toda carne a pasto possuem estes benefícios, pois eles dependem da qualidade do pasto, manejo e outros fatores. E estes animais passam por períodos de seca e, desta forma, para alcançar o peso de abate levam mais tempo do que animais confinados, que tem fornecimento de alimento para suprir o ganho de peso durante todo o período. Se os animais criados em pasto demorarem mais tempo para alcançar o peso de abate, ocorre o aparecimento das ligações cruzadas intra e intermoleculares do colágeno, que se tornam estáveis molecularmente, de difícil desnaturação, tornando a carne mais dura após o cozimento (BRIDI; CAMILA; AVENA).
Este é um dos motivos que muitos produtores criam o gado a pasto até ele completar cerca de 20 meses (dependendo da raça) e depois em confinamento por cerca de 4 meses (conhecido como terminação em confinament0).
Mesmo assim, em um experimento realizado com dois bifes provenientes do mesmo corte, animal e produção, no qual, antes que os participantes degustassem a segunda carne, foi informado que a única diferença entre esta e a primeira era o modo de produção, de forma que a segunda era proveniente de um gado produzido 100% no sistema a pasto, teve como principal resultado que a grande maioria deles argumentou que a segunda carne (a pasto), era diferente da primeira em muitos aspectos, especialmente mais saborosa e macia (OLIVEIRA, 2016).
Então, não é o Blog da Carne que vai dizer qual carne é a melhor. Você, como consumidor, tem a missão de conhecer sobre a carne que consome e decidir qual a melhor para o seu consumo. Felizmente, a pecuária avança cada vez mais e há muitos produtores que conseguem obter o melhor tanto do pasto quanto do confinamento, garantindo que a carne possua vitaminas, ômega 3 e maciez.
E como eu sei se a carne foi produzida a pasto ou mesmo o modo de produção?
Ainda há poucas iniciativas que diferenciem a carne produzida a pasto da de confinamento. Isto ocorre porque, nas produções em escala, o gado se mistura quando chega ao frigorífico e, assim, fica difícil diferenciar.
Visualmente, a gordura da carne a pasto é mais amarelada, por causa do betacaroteno, enquanto a de confinamento possui gordura mais esbranquiçada.
Se você compra em boutiques de carnes, ou mesmo em açougues, converse com o(a) gestor(a)/gerente. Ele(a) saberá explicar como a carne que você comprou foi produzida. Há algumas marcas que já apostam na carne a pasto, como a Nelore Natural da Marfrig. Acredito que, muito em breve, novas marcas e certificações começarão a diferenciá-las, como já ocorre em outros países, como Austrália e EUA.
REFERÊNCIAS
ABIEC, 2016. A carne bovina: qualidade de carne. Disponível em:<http://www.abiec.com.br/texto.asp?id=11>. Acesso em: 02 de set. 2016.
BEEFPOINT. Pasto ou grãos? Há um sistema de produção de carne bovina definitivamente sustentável? Veja aqui um resumo do Webinário da AMSA. Disponível em:<http://www.beefpoint.com.br/cadeia-produtiva/giro-do-boi/pasto-ou-graos-ha-um-sistema-de-producao-de-carne-bovina-definitivamente-sustentavel-veja-aqui-um-resumo-do-webinario-da-amsa/>. Acesso em: 02 set. 2016.
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CHINI, J. Percepção dos pecuaristas e consumidores de carne bovina: um comparativo entre Brasil e Estados Unidos. Monografia. Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – Universidade de São Paulo. São Paulo, 2013.
CHINI, J. Influência do atributo de sinal na disposição a pagar pela carne bovina produzida a pasto. Dissertação (Mestrado). Escola Superior de Propaganda e Marketing. São Paulo, 2015.
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Juh Chini
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