É começo de ano, mas venho aqui falar do final da produção pecuária dentro da porteira, a última fase, a engorda. A época do ano coincide, pois é ágora nas águas que grande parte dos bovinos são engordados no Brasil, já que mais de 90% da carne brasileira é produzida a pasto. Sob as intensas chuvas e o sol tropical, o capim é transformado em energia que é depositada em gordura. Visado por uns, rejeitado por outros, o saboroso lipídeo faz parte da produção e tem grande importância para a carne de qualidade.
Após cumprir a fase de recria, o bovino atinge a puberdade e o seu peso maduro, ocasião em que cessa o crescimento ósseo, diminui a taxa de crescimento muscular e é intensificado o enchimento dos adipócitos (células de gordura), ocorrendo deposição de gordura na carcaça (GPAC-UEL). A formação da gordura subcutânea, aquela que cobre os cortes cárneos como a picanha, é fundamental no resfriamento da carcaça após o abate, já que funciona como um isolante térmico, evitando a desidratação, escurecimento e redução da maciez. Ao mesmo tempo, a gordura intramuscular, aquela que confere o marmoreio, é fundamental para garantir o trinômio sabor, suculência e maciez. O ponto crucial é que o tecido adiposo por si só tem alta demanda energética para ser formado, superior a todos os outros tecidos, e esses dois tipos de gorduras são os últimos a serem depositados no organismo. Conclusão: colocar a devida gordura no animal exige quantidade e qualidade de alimento, não é “bolinho” não!
De forma geral, há 3 modelos de engorda no Brasil: extensiva a pasto; intensiva a pasto; e em confinamento. Atendo ao sistema a pasto por sua maior abrangência no País. Vale lembrar que a sazonalidade da produção das pastagens norteia a fase de engorda nesse modelo, pois, nas águas há uma maior produção de pastagens devido à maior concentração de chuvas e incidência de luz, enquanto no período seco é menor a produção em razão da baixa umidade e luz. Mas, somente chuva e sol não bastam para uma boa produção, as técnicas de manejo são fundamentais. No formato extensivo, por exemplo, com pastagens de baixa produção e sem uso de suplementação (energética ou proteica), grande realidade no Brasil, o ganho de peso é baixo, de 0,3 a 0,5 kg/cabeça por dia, tardando o processo de engorda ou, em alguns casos, entregando ao abate um animal sem a devida deposição de gordura e acabamento. A carne nesse caso muito provavelmente será mais rígida e sem sabor, apesar de haver nichos de mercado que prezam pela carne “magra” com pouca gordura e pagam mais por isso.
Por outro lado, no formato intensivo é possível prover aos animais alimento de qualidade com pastos bem divididos, uso de suplementação energética ou proteica, entrada e saída dos lotes respeitando a altura recomendada para o capim, alta quantidade de plantas por hectare e, em alguns casos, maior volume com o uso de fertilizantes inorgânicos (uréia) ou orgânicos (esterco). O ganho de peso é da ordem de 1 Kg/cabeça por dia, com animais bem acabados ao final do processo. Esse formato exige infraestrutura específica, boa genética e que o animal tenha sido bem recriado para responder ao manejo. Nessa linha, tem crescido cada vez mais no País o conceito “Grass Fed”, indo de encontro a uma tendência mundial, a qual valoriza o menor teor de gorduras totais e maior quantidade de ácidos graxos ômega-3 na carne produzida a pasto.
Pois então, a fase de engorda é como colocar a cobertura e a cereja no bolo, leva menos tempo, mas se não for adequada põe a perder todo aquele recheio feito com esmero e dedicação. Da mesma forma, não adianta cobertura boa sem recheio bem feito, a carne de qualidade começa desde a concepção da matriz lá na fase da cria. Olhando dentro da porteira, quando se cumpre bem todas as 3 etapas (cria, recria e engorda) há grandes chances de se produzir uma boa carne. A expectativa é que fora da porteira, do embarque até a mesa do consumidor, medidas que mantenham tal qualidade também sejam cumpridas.
José Pádua
Especialista em Produção e Nutrição de Ruminantes pela Esalq-USP, Médico Veterinário pela Unesp-Jaboticabal, Consultor-sócio da Terra Desenvolvimento Agropecuário, Membro da Comissão Jovem da Famasul-MS.
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