produzir com sustentabilidade na pecuaria

Por que pecuária sustentável? 5 aspectos mercadológicos

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Um tema relevante, atual e muitas vezes polêmico. Você sabe quais aspectos de mercado incentivam a investirmos cada vez mais na produção pecuária sustentável?

Eu poderia trazer um infinidade de argumentos para justificar os motivos para investir em uma produção pecuária sustentável. Já apresentamos aqui “o que é o tripé da sustentabilidade?”, os seus aspectos sociais, econômicos e ambientais, com 5 práticas que contribuem para a sustentabilidade ambiental), além do caso prático do Caio Penido, pecuarista que produz e participa de diversos grupos proativos de pecuária sustentável. Assim, acredito que todos estes conteúdos possibilitaram uma compreensão ampla e a importância de conhecer o conceito e sua aplicação.

Também poderia e irei futuramente trazer dados e pesquisas científicas de relevância sobre como o planeta, as pessoas, os animais e o ecossistema como um todo precisam de prioridade nos objetivos das organizações, além de discussões sérias, sem viés ideológico e com fundamentação teórica para serem propositivas e possibilitarem resultados reais.

Mas, no artigo de hoje eu uni o meu conhecimento acadêmico de economia, marketing e negócios internacionais com a minha experiência no setor, trabalhando com quase todos os elos da cadeia, para apresentar 5 aspectos mercadológicos para produzir com sustentabilidade na pecuária.

Na minha trajetória profissional, confesso que muitas vezes me frustrei ao ouvir “sustentabilidade não vende” ou “o meu cliente não quer saber de sustentabilidade”, em um “achismo” claro e sem fundamentos que ignora todo o trabalho que pecuaristas, pesquisadores, profissionais e empreendedores de Norte a Sul do país estão desenvolvendo em prol das práticas sustentáveis.

Mais do que isso, ignoram que a sustentabilidade não é mais uma inovação, muito menos um fim, mas um meio, além de um pensamento (ou “mindset”) que deve guiar todos as pessoas, assim como ética, ou compliance, e estar intrínseca na estratégia e propósito das organizações.

Neste contexto, realizei uma análise de mercado doméstico e global para apresentar os cinco principais motivos mercadológicos para produzir com sustentabilidade em toda a cadeia produtiva, da fazenda à mesa. São eles: (1) pressão do mercado internacional, (2) agenda global, (3) compromissos dos elos da cadeia, (4) consumidor final mais exigente e (5) ESG, investimentos de impacto e financiamento. Vamos lá?

1.      Pressão do Mercado Internacional

Se em 2021, a principal pauta de discussão global continua sendo o combate à pandemia, 2022 tende a retomar com mais enfoque às questões de segurança alimentar (“food security”), considerando o acesso aos alimentos e como alimentar 10 bilhões de pessoas em 2050, além da segurança dos alimentos (“food safety”).

Afinal, após uma crise alimentar que desencadeou uma pandemia, a preocupação com origem, rastreabilidade e contingência a crises serão fatores que exigirão um grande aprimoramento nos sistemas de produção.

Mas, não basta aumentar a produção para garantir o acesso a alimentos seguros, os mercados internacionais irão demandar que estes sistemas atuem com sustentabilidade da fazenda à mesa, aumentando a exigência aos exportadores brasileiros, como reforçou a ministra da Agricultura Tereza Cristina durante um evento digital em julho de 2020.

Após Joe Biden assumir a presidência dos Estados Unidos, a expectativa é que ele acelere medidas globais para promover a sustentabilidade, sendo a política ambiental, um dos eixos de sua política externa. Para Biden, o aquecimento global é uma “ameaça existencial para a humanidade”.

Já no primeiro mês de mandato, o presidente americano anunciou o retorno do país ao Acordo de Paris, compromisso mundial sobre as ações climáticas Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (CQNUMC).

Além do Acordo de Paris, Biden convocou uma reunião com líderes mundiais para discutir políticas ambientais para o dia 22 de em abril, Dia da Terra. O presidente Jair Bolsonaro foi convidado e diplomatas consideram que será um momento decisivo para o Brasil se posicionar com os compromissos ambientais.

Seguindo a agenda e com a expectativa da pandemia estar mais controlada no segundo semestre de 2021, os líderes mundiais se reunião na principal cúpula da Organização das Nações Unidas (ONU) para debater questões climáticas. A 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-26), que foi adiada justamente pela pandemia, será realizada em novembro desse ano na Escócia e a expectativa é que traga uma discussão mais aprofundada e propositiva para a redução de gases de efeito estufa.

É limitada a discussão que a agenda de sustentabilidade é apenas para questões de comércio internacional, principalmente envolvendo tarifas e barreiras comerciais, embora seja importante para um grande exportador como o Brasil. Mas, a sustentabilidade vai além, sendo um objetivo e uma agenda colaborativa que contemplam compromissos globais que os países estão assinando em prol da sustentabilidade como um todo.

2.      Agenda Global

O principal compromisso é o Pacto Global Pacto Global da Organização da ONU, no qual participam mais de 11 mil companhias de 156 países diferentes compõem. O pacto foi lançado em 2000 pelo então secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan.

Ao integrar este pacto, a entidade se compromete a implementar os 10 Princípios Universais, que buscam fomentar as práticas que contribuam para defrontar os desafios socioambientais, além de participar da Agenda Global de Sustentabilidade 2030.

Esta agenda, assinada em 2015 por 93 países, tem como principal pilar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que traz um dos mais ousados acordos para o desenvolvimento sustentável que os países já fizeram. Os 17 ODS contemplam três aspectos do desenvolvimento sustentável: social, econômico e ambiental.

sustentabilidade pecuária

Figura 1. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – Fonte: ONU

Além desta agenda, a ONU lançou no dia 06 de junho de 2020, Dia Mundial do Meio ambiente, a iniciativa “Race to Zero” (“corrida para o zero”) com o objetivo de eliminar as emissões de gases causadores do efeito estufa até 2050. Na lista de membros, 454 cidades, 23 regiões, 1.397 empresas, 47 grandes investidores e 569 universidades se comprometeram com esta meta ambiciosa, o que representa aproximadamente 25% das emissões globais de CO2 e 50% do PIB Global.

Elon Musk, o segundo homem mais rico do mundo, vai além e pretende ir além da neutralidade de carbono. O multibilionário fundador da Tesla vai dar um prêmio de U$ 100 milhões para empresas que conseguirem remover o dióxido de carbono da atmosfera.

Além de Musk, o bilionário filantropo Bill Gates também possui uma meta ambiciosa. Além de já ter investido cerca de US$ 2 bilhões em negócios que objetivam zerar as emissões de carbono, ele argumenta que precisamos reduzir de 51 milhões de toneladas de gases de efeito estufa adicionados à atmosfera a cada ano como resultado de atividades humanas para zero. Isso mesmo, de 51 milhões para zero.

Embora ambicioso, Gates argumenta que não custará trilhões de dólares e oferece um plano no livro que lançou nesse mês de fevereiro chamado “Como Evitar um Desastre Climático: as Soluções que Temos e os Avanços que Precisamos”. Segundo ele, o aquecimento global é mais difícil de resolver do que a pandemia. Como investidor de duas startups de carne vegetal, ele é um potencial financiador de tecnologias em prol da sustentabilidade na produção de alimentos.

Porém, Gates defende uma transição da alimentação com carne animal para a proteína vegetal. Isso significa que precisamos mostrar a bilionários influenciadores como ele as iniciativas de produção sustentáveis, como a carne carbono neutro, para conseguir mais investimentos, em especial para produtores que tem difícil acesso à crédito. Na última parte deste artigo eu apresento o conceito de investimentos ESG.

Mas, só os países e as grandes instituições e empresários podem seguir os ODS? Não, como um verdadeiro guia, você pode implementa-los em sua fazenda, empresa ou instituição pecuária, independentemente do tamanho. Conheça o Grupo Temático de Alimentos e Agricultura da Rede Brasil do Pacto Global da ONU.

Além disso, caso sua organização atenda os critérios de participação e a mesma estiver engajada na causa da mitigação de gases de efeito estufa, você pode inscrevê-la como membro do “Race to Zero”.

3.      Compromissos dos elos da cadeia no Brasil para uma pecuária sustentável

Os frigoríficos e iniciativa pública

No mercado doméstico, estamos no mesmo caminho de colocar cada vez mais a sustentabilidade como prioridade nos objetivos das organizações.

No caso da indústria, em setembro de 2020, grandes frigoríficos se comprometeram com o desmatamento zero na Amazônia até 2025, além da criação de fundos de preservação. Iniciativa de grande relevância, mas como as três maiores indústrias de carne correspondem a menos da metade do mercado, são necessárias ações que envolva todos os setores.

Desde 2010 os frigoríficos se comprometeram a não comprar animais de áreas irregulares conforme o Termo de Ajustamento de Conduta, a TAC da Carne, uma iniciativa do Ministério Público Federal (MPF).  

Outra iniciativa pública de referência é a “Estratégia Produzir, Conservar e Incluir (PCI)”, do Estado de Mato Grosso (MT). Lançada na Convenção do Clima (COP 21) como “o maior esforço global para mitigar mudanças climáticas já idealizado por um estado subnacional”, envolve também organizações não governamentais, empresas privadas e entidades representativas do Estado.

Com um conjunto de objetivos e metas do Estado, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) do MT apresentou à missão de monitoramento do Banco Mundial (que concedeu um empréstimo de U$ 250 milhões para o Mato Grosso) uma redução de 27% do desmatamento ilegal nos últimos sete meses de 2020, entre junho e dezembro.

Além da indústria, iniciativa pública, produtores e frigoríficos é preciso envolver cada vez mais a cadeia produtiva como um todo para práticas coletivas de sustentabilidade.

Neste contexto, Caio Penido, que é Presidente do GTPS e que já concedeu uma entrevista para nosso Portal, propõe um novo pacto agroambiental envolvendo indústria, varejo e organizações não governamentais (ONGs), entre outros segmentos, que inclui o pagamento por serviços ambientais (PSA) ao pecuarista que aderir ao desmatamento zero.

Como saber os caminhos do boi?

O grande desafio está em mapear os fornecedores indiretos de gado (fazendas de cria e recria), pois como o animal passa por mais de uma fazenda antes de chegar na indústria. Pensando em um número elevado de animais em um período geralmente maior que dois anos, há uma dificuldade em rastrear todo o seu caminho, além de auditar que ele só tenha passado por fazendas que estão em conformidade com a lei. 

O relatório do projeto TerraClass do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) apresentou que mais da metade das áreas desmatadas da Amazônia (BR) foram convertidas em pastagens. Porém, estima-se que menos de 2% dos produtores sejam responsáveis por 62% do desmatamento ilegal na Amazônia, segundo uma publicação da revista científica Science.

Neste sentido, diversas organizações do setor estão se mobilizando junto a empresas do setor privado, institutos de pesquisa, universidades, ONGs (nacionais e internacionais) para conseguir rastrear toda a cadeia criar a Força-Tarefa Rastreabilidade da Carne da Coalizão Brasil. No Relatório Final “Rastreabilidade da Cadeia da Carne Bovina no Brasil: Desafios e Oportunidades” publicado em setembro de 2020 pelo grupo.

Além disso, o Grupo de Trabalho dos Fornecedores Indiretos (GTFI), reuniu diversos stakeholders da cadeia produtiva para discutir soluções para o monitoramento de fornecedores indiretos e rastreabilidade.

No que tange a indústria, a JBS, maior empresa de proteína animal do mundo, anunciou também em setembro o Programa “Juntos pela Amazônia” com quatro pilares para a sustentabilidade do Bioma Amazônico. O primeiro deles é a “Plataforma Verde”, uma solução de blockchain para rastrear fornecedores diretos e indiretos.

A Marfrig também criou um plano de cinco anos para garantir a rastreabilidade total de gado produzido na Amazônia. A Frigol possui um Programa de Rastreabilidade com a consulta de propriedades produtoras.

Também entre as maiores, a Minerva começou a utilizar selos de rastreabilidade em uma linha gourmet, com a possibilidade do consumidor saber a origem por meio da leitura de um QR Code na embalagem.

A Associação Brasileira de Angus criou um canal de denúncia para identificar produtos, casas de carnes e estabelecimentos que utilizam o nome da carne Angus, mas que não possuem a certificação que audita o cumprimento das normas do programa.

Para garantir a rastreabilidade em toda uma cadeia produtiva gigante como a de carne bovina, novas empresas de tecnologia tem surgido. Entre elas, estão startups como a Agrotools, @Tech eEcotrace trabalham com soluções inovadoras como geotecnologiasblockchain, internet das coisas e inteligência artificial, que conseguem mapear, monitorar, identificar e até auditar os animais da fazenda ao varejo.

De forma a democratizar o acesso a soluções como essa, empresas estão se unindo para realizar transferência tecnológica. É o caso da Agrotools, que irá doar mais de R$ 1 milhão de reais em tecnologia para produtores da Amazônia, oferecendo o seu principal software de monitoramento. Entre os parceiros estratégicos da iniciativa estão a empresa de Venture Capital KPTL, a JBS, Agro SB, FS Bioenergia, Insper Agro Global e a Arcos Dorados (holding do McDonald ‘s no Brasil).

Além das questões relacionadas ao desmatamento, a rastreabilidade até a fazenda contribui para assegurar a credibilidade em relação à segurança alimentar e é estratégica para as negociações do governo brasileiro, de forma a facilitar a negociação com outros países e abertura para novos e mais exigentes mercados (Burnier et al. 2020).

No caso das empresas varejistas, que são grandes canais e distribuição, também estão assumindo compromissos para garantir que os todos os fornecedores da cadeia possuam responsabilidade socioambiental, não produzindo em áreas de desmatamento, respeitando o bem-estar animal e não utilizando trabalho escravo.

Entre elas, o Carrefour começou com um programa de Garantia de Origem e atualmente está testando o blockchain para rastrear os produtos alimentícios.

O Grupo Pão de Açúcar (GPA), que possui a Política Socioambiental de Compras de Carne Bovina, já rastreia totalmente as marcas próprias comercializadas no Extra e no Pão de Açúcar desde a origem e assumiu recentemente a meta de que 100% dos fornecedores das demais marcas cumpram com as premissas de bem-estar animal até 2025.

Na mesma linha, o McDonald’s também está investindo em rastreabilidade para garantir que 100% da carne de todos os hambúrgueres vendidos no país não estejam ligados ao desmatamento.

Em suma, todos os elos da cadeia estão demonstrando um esforço para adequar as práticas sustentáveis em suas atividades.

4.      Consumidor final mais exigente e o seu papel na sustentabilidade

No caso do consumidor brasileiro, embora a demanda por ainda possa ser considerado como nicho, estudos apontam que a preocupação dos consumidores com responsabilidade socioambiental, bem-estar animal e rastreabilidade tem sido crescente e impacta em uma maior disposição a pagar por uma carne que contemple estes atributos.

Os atributos “bem-estar animal” e “rastreabilidade” são compreendidos pelos consumidores com mais facilidade do que atributos ambientais como a redução da emissão de gases. Isso significa a necessidade de promover mais informação sobre o tema ao consumidor final e um esforço maior de comunicação e marketing das marcas que trabalham o aspecto ambiental como diferencial.

O consumidor está disposto a pagar mais por carne com indicação ou certificação de bem-estar animal (Chini, 2020; Burnier et al., 2021) e com rastreabilidade (Verbeke and Ward, 2003; Wu et al., 2017; Burnier et al., 2021). No estudo recém-publicado de Burnier, Spers e Barcellos (2021), os respondentes mostraram maior preocupação da rastreabilidade até o frigorífico do que até a completa até a fazenda. Isto também demonstra a importância de comunicar os benefícios da rastreabilidade até a origem e conceitos como o “farm-to-table”.

Há 10 anos, uma pesquisa com consumidores paulistanos já mostrava que eles compreendiam que um selo de garantia de origem (provido por uma grande rede varejista) eram diferenciados por garantir o comprometimento dos fornecedores com aspectos relacionados à preservação ambiental, atributos sociais e segurança alimentar (Cunha et al, 2011).

Em uma pesquisa recente sobre a percepção do consumidor brasileiro em relação à carne carbono neutro, mais de um quarto da população de mil entrevistados estaria disposta a pagar a mais por esta marca e 55% atribui valor positivo à marca, tendo atitudes mais positivas entre os consumidores que se declararam preocupados com sustentabilidade, bem-estar animal e certificação.  O estudo foi apresentado pela Profa. Dra. Thelma Lucchese-Cheung no webinarDo campo à Mesa: Sustentabilidade em Foco” da Hamburger University – Arcos Dourados e envolve Embrapa Gado de Corte, UFMS e ESALQ/USP.

Segundo o Relatório “As 10 Principais Tendências Globais de Consumo 2021”, realizada com da Euromonitor Internacional, cerca de “70% dos profissionais esperam que os consumidores se preocupem mais com a sustentabilidade do que antes da COVID-19”. A tendência “reconstruir melhor” indica que os consumidores irão esperar iniciativas orientadas por propósitos que apoiem o tripé da sustentabilidadepessoas, planeta e lucros.

5.      ESG na pecuária, investimentos de impacto e financiamento

Um tema que tem ganhado atenção no mundo dos investimentos no último ano é o ESG, do inglês Environmental, Social, Governance, podendo ser traduzido como Ambiente, Social e Governança (ASG). Os investimentos ESG são voltados a negócios que são sustentáveis em torno destes três critérios, como exemplifica o BTG Pactual (2021):

  • meio ambiente: redução de exploração de matérias-primas ou eliminação de poluentes, desenvolvimento de políticas de proteção, investimentos no cuidado com a natureza, etc;
  • social: preocupação com segurança do trabalho, remuneração adequada para os profissionais, atenção ao bem-estar profissional, entre outros;
  • governança: transparência na apresentação de informações, gestão qualificada, diversidade e representatividade no conselho administrativo, por exemplo.

No mundo, o investimento responsável chega a US$ 31 trilhões, segundo a Global Sustainable Investment Alliance, o que representa 36% dos ativos financeiros totais sob gestão.

No Brasil, o fundo de ações da Fama Investimentos, primeira gestora do país a adotar ESG em análise de ativos com início em junho de 1997, acumulou um retorno de 9.322%, ante 2.114% do Ibovespa.

Embora não existam dados precisos sobre o investimento em ESG, no que tange a categoria de fundos de ações sustentáveis, houve um crescimento de R$ 545,4 milhões (29%) entre junho de 2019 e o mesmo período de 2020, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

Um levantamento do Valor com base nos dados da Sitawi apontou um crescimento de 52,1% nas operações brasileiras sustentáveis de crédito em 2020, alcançando o valor de U$ 5,3 bilhões em 38 operações.

O avanço do Brasil em investimentos ESG ainda é tardio e estima-se que represente apenas 1% do volume global de títulos sustentáveis, mas já é possível ver uma corrida das gestoras para aumentar o percentual de ativos ESG no portfólio. Só em janeiro de 2021, oito companhias (entre elas Itaú e BTG Pactual) já captaram US$ 3,5 bilhões.

A alta procura por investimentos ESG também pode ser vista no crescimento de buscas no Google nos último ano. A figura abaixo mostra a evolução do volume de buscas para ESG nos últimos 3 anos.

Volume de buscas no Google por investimentos ESG

Figura 2. Aumento nas buscas por ESG entre fevereiro de 2018 e 2021 – Fonte – Google Trends

A XP Investimentos irá realizar o seu evento Expert focado em ESG no mês de março, com grandes referências internacionais no assunto.

Os investimentos ESG na pecuária podem beneficiar fazendas, indústrias, empresas e startups que se adequem aos critérios dos fundos. O ESG poderá ser estratégico para o investimento em práticas de sustentabilidade. Para Giovana Araújo, sócia líder de agronegócio da KPMG, o ESG no agronegócio hoje é um diferencial, mas amanhã será uma necessidade.

Além do ESG, os investimentos de impacto podem ser uma fonte de financiamento para o agronegócio, principalmente no desenvolvimento de soluções tecnológicas. O investimento de impacto é direcionado especificamente para gerar uma solução para uma questão socioambiental, gerando retorno financeiro.

Em 2020, o Lab, acelerador de instrumentos financeiros da ONG Climate Policy Iniciative (CPI), selecionou um projeto para fomentar iniciativas de integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF). O projeto, criado pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Sustentabilidade (IABS) e pela Associação Rede ILPF, possui a meta de levantar US$ 1 bilhão para financiar os produtores até 2030.

A pressão do mercado financeiro pode não só acelerar o desenvolvimento e a adoção de soluções tecnológicas sustentáveis, como pressionar para uma redução abrupta no desmatamento.

Em junho de 2020, 29 fundos internacionais que somam US$ 3,7 trilhões apresentaram uma carta aberta com condutas que vão contra os padrões ESG e levam ao desmatamento da Amazônia. Um mês depois, os maiores bancos privados do Brasil (Itaú, Bradesco e Santander) se uniram para apresentar um plano integrado de conservação e desenvolvimento da floresta.

A adequação às medidas socioambientais também estão sendo cada vez mais demandadas no acesso ao crédito. Para pedir financiamento no Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), por exemplo, fazendas e empresas da cadeia produtiva da pecuária bovina precisam cumprir uma série de critérios para garantir a conformidade socioambiental nas diretrizes socioambientais para a pecuária bovina. Em outras instituições, o comitê de crédito analisa relatórios de ferramentas de rastreabilidade para avaliar o risco ambiental e grandes bancos estudam vetar crédito para criadores em área de desmatamento ilegal.

Considerações finais – pecuária sustentável

Nos últimos anos, a pecuária avançou consideravelmente em produtividade, inovações tecnológicas e sustentabilidade. Como já apresentado em outros artigos, entre 2000 e 2010 houve uma redução da área ocupada por pastagens no Brasil de cerca de 14% enquanto o rebanho bovino aumentou 51% entre 1990 e 2017, segundo dados do IBGE e Embrapa Territorial.

Além disso, conforme dados do IBGE, INPE, Conab e Embrapa, “de 1990 até 2019, o aumento da produtividade da pecuária e da agricultura possibilitou que 310 milhões de hectares fossem poupados de desmatamento ou devolvidos de forma voluntária e involuntária para recomposição da vegetação natural” (Nogueira, 2020).

Embora todos estes avanços devam ser comemorados, ainda há (e sempre haverá) enormes desafios a serem enfrentados para uma pecuária sustentável. A cadeia produtiva, que sempre apresentou dificuldades na comunicação e união, deve olhar a produção de carne como algo sistêmico e de forma colaborativa pensar em um projeto de agregação de valor que contemple todos os elos, com transparência e promoção à sociedade civil, os consumidores finais (Brasil e mundo).

E as discussões devem ser ricas, embasadas e bate-bocas “pecuária x famosos”, ou “pecuária x mídia”, ou “pecuária x política”. Precisamos parar de ficar só na defensiva e partir para ações propositivas. Que tal analisarmos como a Austrália, Estados Unidos, Argentina e Uruguai trabalham a promoção da carne bovina com ações que vão desde a educação alimentar nas escolas, incentivo à ciência até campanhas nacionais e internacionais?

Este artigo trouxe dezenas de exemplos de iniciativas em prol da pecuária sustentável e como não apenas temos um cenário fértil para crescermos ainda mais em um mercado ávido pelo que fazemos e não comunicamos, mas também ainda mais ambicioso pelo potencial que temos.

O setor sucroenergético brasileiro pode ser um benchmarking interessante por ter protagonizado discussões, grupos de trabalho e iniciativas globais de sustentabilidade a partir de bioenergia.

Vamos mostrar para o mundo o que fazemos de melhor e aprimorar o que precisa ser melhorado. Vamos pensar de forma global, considerando projetos de médio e longo prazo e não iniciativas individuais e imediatistas. Vamos agregar ainda mais valor e ser a maior referência global em produção de carne de qualidade tecnológica e sustentável.

Esta é a carne do futuro que eu acredito.  

Disclaimer

Este artigo é um posicionamento da autora Juliana Chini e não necessariamente reflete o posicionamento do Time Blog da Carne e dos seus colunistas.

A produção foi totalmente independente e sem nenhum incentivo financeiro.


¹Empresas da Força-Tarefa Rastreabilidade da Carne: A contratação e acompanhamento do estudo contaram com a coordenação da Força-Tarefa Rastreabilidade da Carne da Coalizão Brasil, em 2020, formada por representantes das seguintes organizações: Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC), Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), EQAO, Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável (GTPS), Imaflora, Instituto Arapyaú, Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), JBS, Marfrig, Partnerships for Forests – P4F, Solidaridad Network, The Nature Conservancy (TNC), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Vicente e Maciel Advogados e WWF Brasil.

Estudos citados:

Barcellos, M.D. (2007), Beef lovers: um estudo cross-cultural sobre o comportamento de consumo de carne bovina, Doctoral dissertation, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.

BTG Pactual. Investimentos sustentáveis: saiba o que são e como funcionam os fundos ESG! Disponível em:< https://www.btgpactualdigital.com/blog/investimentos/fundos-esg>. Acesso em 19 fev. 2021.

Burnier, P.C., Guerra, D.d.S. and Spers, E.E. (2020), “Measuring consumer perceptions over beef good practices and sustainable production process”, British Food Journal, Vol. ahead-of-print No. ahead-of-print.

Burnier, P. C., Spers, E. E., Barcellos, M. D. de. (2021), “Role of sustainability attributes and occasion matters in determining consumers’ beef choice”. Food Quality and Preference, ahead-of-print. 10.1108/BFJ-12-2019-0904.

Chini, J.Spers, E.E.Silva, H.M.R.d. and Oliveira, M.C.J.d. (2020), “The influence of signal attributes on the willingness to pay for pasture-raised beef”, RAUSP Management Journal, Vol. ahead-of-print No. ahead-of-print

CUNHA, C. F.; SPERS, E. E.; ZYLBERSZTAJN, D. Percepção sobre atributos de
sustentabilidade em um varejo supermercadista. RAE-Revista de Administração de Empresas, v. 51, n. 6, p. 542-552, 2011

NOGUEIRA, M. P. Desmatamento ilegal: o agronegócio precisa assumir a liderança. Disponível em: < https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/desmatamento-ilegal-o-agronegocio-precisa-assumir-a-lideranca/>. Acesso em 12 jan. 2021.

Oliveira, R. and Spers, E.E. (2018), “Brand equity in agribusiness: Brazilian consumer perceptions of pork products”, Research in Agricultural Engineering, Vol. 58 No. 4, pp. 365-379.

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Juh Chini

Mestre em Gestão Internacional na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e Economista na Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" (ESALQ-USP). Fundadora do Blog da Carne, Líder de Inteligência de Marketing na @Tech, viajante, palmeirense e apaixonada por churrasco, família, amigos e uma mesa de bar. "A vida é a arte do encontro!"

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