Carta ao Totonho 2017
Querido Tio Totonho,
Diretamente de dentro das porteiras me foi pedido para contar as idas e vindas da produção de carne nesse interessante Blog (jeito moderno de chamar os periódicos da sua época) e aproveito esse momento para lhe passar a quantas anda a nossa pecuária de corte, aquela mesma para a qual contribuiu por meio da reprodução animal, genética, produção e educação. Já se vão 28 anos e muita coisa mudou, melhores ou piores, trago notícias frescas nesse breve texto. Tentarei passar uma mensagem franca que, apesar do marasmo que nos baixa o tom atualmente, há de animá-lo, afinal seguimos firmes e crentes na superação.
A reprodução animal vai de vento em poupa, Centrais de inseminação artificial como aquela que você ajudou a estruturar em Sertãozinho, hoje lançam mão de biotécnicas super avançadas, como sexagem de sêmen, fertilização in vitro e melhoramento genético por meio da genômica. A seleção de machos reprodutores em diversas raças vem descolando da paixão e se pautando em números e estatísticas sólidas, produzindo animais mais precoces e produtivos, mirando critérios ligados às características da carne, por exemplo, o grau de marmoreio (quantidade de gordura entremeada) e a área de olho de lombo. Esses critérios buscam atender um País que de um lado clama por quantidade (ainda somos 8,5 milhões em miséria extrema segundo Banco Mundial) e de outro por qualidade. Vejo aí o toque dos holandeses e norte-americanos, que fincaram os pés no Brasil com aquisições de centrais de sêmen, trazendo novas técnicas, raças e produtos. Orientados pelas Universidades, Institutos de Zootecnia, Associações de raças e Embrapa, alguns daqueles seus amigos criadores de Uberaba, Barretos e Campo Grande seguiram esse rumo, outros nem tanto.
A produção pecuária evoluiu de forma incrível, a produtividade por área praticamente duplicou nos últimos 25 anos, ao passo que área de pastagem utilizada reduziu em torno de 20%, segundo dados do IBGE e MAPA, analisados pela Agroconsult e ABIEC. Além disso, tais institutos mostram que forjamos uma pecuária extremamente sustentável, tornando-nos um dos três maiores produtores de alimento do mundo, mas ainda assim com 64% das nossas áreas com florestas intactas e reservas legais.
Se você visitasse novamente o leste do Mato Grosso do Sul como tinha costume, iria ver em bom volume fazendas integradas com soja, milho, eucalipto e seringueira, algumas até irrigadas com pivôs, contrapondo um ainda comum horizonte de fazendas com pastagens degradas e sujas com invasoras. Isso se repete em diversas áreas do bioma Cerrado pelo Brasil. Tal contraponto mostra que os limites impostos pelos recursos naturais (baixa fertilidade de solo e pluviosidade) podem ser superados com ciência e força de vontade, a Embrapa e o Senar que nos digam.
Como foi professor,sabe bem o valor que a educação e o conhecimento tiveram, e ainda têm, para possibilitar tais desenvolvimentos. Evoluímos nessa seara, mas ainda há muito a ser feito, seja na educação básica ou no ensino superior e pesquisa. Faculdades e Institutos Tecnológicos, particulares e públicos, como a Unesp-Jaboticabal em que você lecionou na década de 70, aumentaram em tamanho e número de unidades pelo Brasil a fora. Há um número maior de ingressantes no ensino superior (de 2001 a 2010 cerca de 150% a mais segundo MEC), mas nem sempre bem preparados para as atuais demandas da pecuária e do mercado de trabalho como um todo, de modo que ainda há uma lacuna nesse universo, muitas chaves e poucas fechaduras. Passamos por uma transição um tanto conturbada, da qual fiz parte entre 2008 e 2016, na qual grandes professores do seu tempo vão abrindo espaço para os novos que deverão se moldar a um mundo muito mais dinâmico em relação a informação e metodologias didáticas, lidando com uma geração de alunos hiperconectados e de difícil captação da atenção em sala de aula. Além disso, os professores enfrentam problemas com orçamentos e créditos mais curtos em razão da atual recessão econômica e do mal uso dos recursos públicos (sem falar da corrupção), tendo de fazer mais com menos.
Apesar de todas às intempéries e adversidades estruturais, pequeno ou grande, no Sul ou no Nordeste, o pecuarista é um forte, mantém firme sua labuta para produzir nesse Brasil de meu Deus. Compartilham com você, Totonho, aquela paixão pelo que fazem, a qual junto à ciência aplicada são combustíveis para o desenvolvimento. Desde que você “viajou fora do combinado” em 1989, ganhamos 2 copas do Mundo no futebol, mas, sinceramente, eu gostaria que também fossemos os campeões Mundiais da Educação. Pois, somente ela manterá acesa essa nossa paixão em produzir e avançar, alimentando um País e um mundo que ainda tem fome, gerando riquezas para investimentos em infra-estrutura, formando novos líderes e empreendedores que, assim como você, darão continuidade a esse ciclo virtuoso da carne.
José Pádua
Especialista em Produção e Nutrição de Ruminantes pela Esalq-USP,
Médico Veterinário pela Unesp-Jaboticabal,
Consultor-sócio da Terra Desenvolvimento Agropecuário,
Membro da Comissão Jovem da Famasul-MS.
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Ótimo texto permitindo aos leitores um panorama da evolucao do setor pecuário .
Fácil leitura e bem escrito. Parabéns