A minha primeira lembrança ligada a carne é das matulas que eu e meu avô levávamos para comer no sítio na frondosa Cajuru-SP, quando ali eu o acompanhava na leiteria. Lembro-me muito bem daquela carne moída bem temperada, misturada a um arroz solto e quiabo, esse colhido ali mesmo no sítio. Isso era meados dos anos 90, o Brasil ainda em recuperação econômica da década de 80, o que justificava a simplicidade desse cardápio, mas o capricho da cozinheira e a fome que a matula matava, faziam dela um prato muito especial. Definitivamente começava ali a minha intensa relação com a agropecuária e com a carne.
Já residindo em Campo Grande-MS, ao lado do meu pai, médico veterinário que em Mato Grosso do Sul junto a minha mãe, meu irmão e eu foi construir a vida, comecei a acompanhar a pecuária de corte daqueles anos 90. Era muito comum fazendas abaterem bois com 4 ou 5 anos, a seleção dos animais ainda era pautada nas exposições e os programas de melhoramento genético davam seus primeiros passos. Eu não sabia da influência da idade ao abate e do melhoramento genético da raça sobre a qualidade da carne, mas ainda menino me lembro bem da dificuldade de encontrar boas peças no açougue para um churrasco em família. Hoje em dia termos como grau de marmoreio e precocidade são premissas técnicas que norteiam a produção de carne no Brasil.
Quando adolescente após uma orientação pedagógica, a prática do Yoga me foi recomendada para reduzir a ansiedade e aumentar a concentração. Por ironia do destino experimentei uma cultura em que dentre outras várias crenças defende o vegetarianismo e tem a vaca como um dos animais sagrados. Era mais confusão na mente já revolta de um adolescente de 14 anos, por outro lado me alertou sobre um lado frágil da produção pecuária. Naquele tempo pouco se falava em bem-estar animal e manejo racional, o que está intimamente ligado ao respeito aos animais que nos fornecem alimento e, da mesma forma, à própria qualidade dos produtos, já que o estresse e lesões nos bovinos trazem danos à carne. Crenças e religião à parte, a produção de carne com respeito e dignidade aos animais era algo a se melhorar, o que vem crescendo muito bem graças a estudiosos como Temple Grandin e Mateus Paranhos.
Em 2008 me mudei para Jaboticabal-SP para então começar a cursar a Medicina Veterinária na Unesp e assim seguir os passos do pai e do tio. Lá eu conheci o lado social e cultural incrível que a carne possui. Na minha primeira e única moradia, a República Toca do Mé, como em toda república, não foram poucos os churrascos que fizemos. Era churrasco de pais, churrasco de ex-moradores, churrasco de formatura, entre outros. A carne dava sabor aos dias de comemoração, nutria as discussões técnicas madrugada à fora, servia às histórias dos ex-moradores contando experiências profissionais, trazia hábitos e cardápios de outros cantos do Brasil, como a costela de chão e a linguiça cuiabana, fazia especial cortes tidos como secundários como a fraldinha e a bananinha. Tais eventos foram palco da celebração de grandes amizades e sobretudo a demonstração de um produto que une o Brasil de ponta a ponta, a carne.
Em 2013 recém-formado agarrei ao pé do eito de volta ao Mato Grosso do Sul, percorri fazendas pelo estado inteiro, atendendo clientes dos suplementos nutricionais da empresa na qual eu trabalhava. Descobri nesse tempo como a tecnologia e técnicas nutricionais bem aplicadas podem aumentar a produtividade e a qualidade da produção, algo similar que presenciei em outros grandes pólos produtores quando a carreira me deu a oportunidade de conhecer a Argentina, Uruguai, Paraguai e Estados Unidos, de forma geral nota-se a padronização com alto valor agregado nos produtos aliada à uma estratégia de marketing forte. No linguajar caipira, eles botam o ovo e sabem cantar, o que fica aqui de lição e inspiração.
Atualmente tenho me dedicado aos serviços gerenciais de fazendas dentro de uma empresa brasileira de assessoria. Um indicador que acompanhamos de perto é a produção de carne por hectare o qual depende da quantidade e peso médio dos animais por hectare. Uma maior produção por área pode aumentar a rentabilidade do negócio, perpetuando a operação ao longo dos anos. Ao mesmo tempo, uma maior produção sob uma mesma área gera uma menor de necessidade de áreas novas no futuro, reduzindo a pressão sobre os recursos naturais. Sem dúvida nosso país tem muito a evoluir nesse quesito tendo em vista que os valores médios ainda são considerados baixos. Portanto, há a nossa frente um horizonte de aumento de produção, bem como de aumento de qualidade. Para isso a pesquisa, a difusão e aplicação do conhecimento é ponto fundamental.
Finda aqui essa breve história a qual é a primeira participação no Blog da Carne, portal que tem contribuído para a difusão de conhecimento e novas idéias para a cadeia da carne, algo fundamental para o nosso país. Por fim, eu espero ver a carne ainda forjando culturas, gerando riquezas aos povos, celebrando amizades, contando histórias de outros brasileiros que pelo Brasil batalham.
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Boa matéria, frondosa Cajurú!!
Eu tive participação na dieta desse rapaz! hahaha boa José!