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Fatores que influenciam a qualidade sensorial da carne

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Pesquisas apontam que quando os consumidores são estimulados, eles podem mudar suas percepções sobre um produto com base em suas ofertas de sabores e nutrição. Os consumidores de carne bovina por exemplo, observam o preço, a higienização, aspectos nutritivos e características gustativas no momento da compra para classificar uma carne como de qualidade.

De acordo com testes realizados na minha dissertação de mestrado, quando analisado uma amostra de consumidores sobre os 3 principais fatores no momento da escolha de uma carne a textura, a coloração e a capa de gordura são os atributos sensoriais mais citados.

Pensando sobre as exigências dos consumidores, e sendo eu uma apreciadora de carnes, reflito que muitos são os atributos relacionados à fisiologia do animal e técnicas de manejo que tem forte influência sobre o produtos final, mas que muitas vezes desconhecemos e ficam restritos a profissionais da área e especialistas.

Vamos lá:

pH

Não sei se vocês sabem, mas para que uma carne seja macia o pH tem que ser baixo.

O metabolismo do animal vivo tem como objetivo fornecer energia para o corpo. Em relação aos carboidratos (açúcares), a energia é liberada e nas transformações finais o oxigênio é utilizado com produção de dióxido de carbono. Na ausência de oxigênio um novo produto é formado, o acido lático, o qual abaixa o pH. Este processo é o mesmo pelo qual passa o animal quando é abatido. Sem um suprimento de oxigênio após a morte, a formação de acido lático se dá até a completa utilização dos carboidratos. Isto favorece o abaixamento do pH, o que é favorável já que auxilia no processo de maturação da carne. O pH do músculo situa-se ao redor de 7 (neutro como da água). Já na carne deverá ser abaixo de 5,8, o que significa que a carne é mais acida que o músculo vivo. Um pH baixo significa uma carne mais macia.

Se o pH final permanece alto, acima de 6,20 a carne apresenta a anomalia denominada DFD (dark, firm, dry), que é uma carne escura, firme e seca, com palatabilidade comprometida. Neste caso a reserva inicial de glicogênio é baixa devido a fatores ante mortem, como por exemplo, uma situação de estresse antes do abate, não havendo tempo suficiente para a sua reposição no músculo (Forrest et al., 1979; Prändal et al, 1994).

Chacrutaria.org
Crédito: Chacrutaria.org

Estimulação elétrica

Quando uma carcaça fresca de um animal recém abatido é resfriada rapidamente, os músculos se contraem num processo chamado de rigor mortis fazendo com que esses músculos se encurtem por conta do frio. Ao menos que esse processo seja prevenido (ex. tenderstretch) ou mesmo revertido por maturação, a carne será muito dura. Quando a carne de animais recém abatidos é resfriada rapidamente e intensamente, as enzimas que usam os carboidratos não agem apropriadamente e o pH não abaixa. Sem essa queda do pH, a maturação não se processa com as miofibrilas se mantendo contraídas, e a carne é dura por encurtamento pelo frio.

Por esse motivo o resfriamento lento não é recomendado, principalmente por conta de problemas higiênicos. É nesse momento que uma boa cobertura de gordura é importante, e ajuda a diminuir a velocidade de resfriamento, porém uma quantidade excessiva de gordura subcutânea é um desperdício, assim como não é a melhor solução para alguns músculos tipo contra filé. Uma solução para essa questão é a estimulação elétrica do músculo, ocasião em que os músculos utilizam todos os carboidratos rapidamente. Na falta de oxigênio nos músculos, uma grande quantidade de ácido lático é produzida. O pH cai para níveis normais e a maturação acontece normalmente. Se estes eventos se processarem antes do resfriamento, mesmo que seja um resfriamento rápido não acarretará em um efeito negativo no músculo.

Estresse

Quando os animais são estressados antes do abate, as reservas de energia são utilizadas durante esse estresse agudo, por exemplo como quando os animais são misturados, ou ainda durante o transporte, durante o calor ou frio e mesmo devido à desidratação. Como o bovino recompõe sua reserva de energia lentamente, qualquer estresse pré abate implica em o animal ser abatido com energia insuficiente em seus músculos.

Em certas ocasiões não haverá reserva de carboidratos (glicogênio) suficiente. Sem essa energia o pH não abaixa o necessário. A carne ficará dura e nada poderá ser feito para reverter essa situação. A carne se apresenta de cor escura e aparência firme e seca, o que chamamos de DFD, como mencionado acima.

O quê acontece durante a maturação?

A maturação é um processo de resfriamento da carne por um  período de normalmente 8 dias até algumas semanas após o abate, se tornando então mais macia. A maturação, a fim de evitar a proliferação microbiológica e odores desagradáveis, é feita sob baixa temperatura e na ausência de oxigênio.

No período da maturação, enzimas agem sobre as fibras musculares tornando a carne mais macia, embora ainda com a textura característica da carne.

Outras alterações também ocorrem durante a maturação. A queda do pH libera cálcio que altera as características das proteínas e como efeito dessas transformações, a carne se torna mais macia.

maturação a seco
Maturação a seco
maturação
Maturação tradicional

Contusões

O manejo inadequado dos bovinos na propriedade ou acidentes e descontrole de processo em qualquer ponto da cadeia podem gerar desvalorização do corte e portanto, grandes perdas econômicas. O transporte de animais para o estabelecimento de abate caracteriza-se como a primeira etapa do abate humanitário com efeitos significativos na qualidade da carne. Em condições desfavoráveis podem causar a morte do animal, ou ser responsável pelas principais contusões verificadas na inspeção pós abate.

Além disso, o manejo durante o transporte está diretamente relacionado com o estresse dos animais e conseqüentemente com a queda do pH pós abate, como já citado acima. Durante o transporte, o estresse é originado principalmente pelas privações de alimento e água, alta umidade, velocidade do ar e densidade de animais, que produzem respostas fisiológicas na forma de hipertemia, aumento da freqüência respiratória e cardíaca.

Efeitos da raça

Estudos australianos demonstram que os consumidores e as analises sensoriais encontram pequenas ou nenhuma diferença entre raças. O efeito direto da raça nas qualidades gustativas da carne é muito pequeno, até por que se o manejo do animal não for feito de forma correta, e em sistemas de processamento não eficiente, a raça não será o fator determinante para a qualidade final do produto.

Como mensurar esses atributos e questões fisiológicas no momento da compra?

  1. Prefira carnes visualmente mais avermelhadas no tom vermelho cereja brilhante
  2. A coloração deve ser homogênea, sem manchas e sem marcas
  3. Deve ter maciez capaz de fazê-la ceder à pressão dos dedos
  4. Odor característico de carne fresca
  5. A gordura deve ser amarelo clara (cor de manteiga)

Qualquer dúvida escreva para nós!

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Referências:

FORREST, J.C.; et al. Fundamentos de ciencia de la carne. Traduzido por BERNABÉ SANZ PÉREZ. Zaragoza: Acribia, 1979. 364p. Tradução de: Principles of meat Science.

PRÄNDAL, O., et al. Tecnología e higiene de la carne. Traduação de ESCOBAR, J.E. Zaragoza: Acribia, 1994. 854p. Tradução de: Fleisch. Technologie und Hygiene der Gewinnung und Verarbeiyung.

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Mirella Cais

Mestre em Gestão Internacional na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e Engenheira Agronôma pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP Jaboticabal). Associada à Biomarketing, TCAinternacional e Núcleo de Estudos do Agronegócio da ESPM. Produtora/apresentadora do Programa Agrossociedade a Nova Geração.

3 Comentários

  1. Olá meninas! Mto legal o blog, sempre estou acompanhando vocês. Também trabalho na área, com qualidade de carne e adoro ler os textos de vocês! Hoje gostaria de fazer um adendo ao conteúdo. As contusões na verdade acontecem pré abate e não pós abate. As contusões podem ser provenientes do manejo inadequado na Fazenda, durante o carregamento dos animais no caminhão que os levará ao frigorífico, durante o transporte, no descarregamento e no pré abate, propriamente dito, que é no manejo dos animais do curral até o box de atordoamento. Em qualquer uma destas etapas, durante o abate, quando faz-se a avaliação da carcaça, é possível saber se a contusão foi ocasionada na Fazenda, no transporte ou no frigorífico. Saber avaliar em qual momento do processo aconteceu a contusão é importante para que cada elo da cadeia saiba corrigir o manejo e consequentemente evitar as perdas. Logicamente isso está diretamente relacionado à qualidade do produto final uma vez que está intimamente ligado ao bem estar animal, processo de rigor mortis, abaixamento de ph na maturação sanitária, etc.
    Espero ter contribuído! Aguardo vcs no meu insta tb ok?! @carnecomciencia Um abração pra vcs meninas, parabéns pelo trabalho e mta prosperidade!

     
    1. Author

      Olá, Paula! Muito obrigada pelo contato e contribuição. É sempre muito bom ter a interação e com ela aprender mais sobre o conteúdo. Ficamos felizes em saber que é uma leitora, e que também tem uma mídia! Com certeza vamos acessar! Um grande abraço e muito sucesso!

       

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