Tendências de consumo de alimentos – Experiência, simplicidade e carnivorismo

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Nos últimos dois anos floresceram no Brasil eventos ao ar livre com a participação de grande público e preparo de carne bovina das mais diversas formas, algumas tradicionalmente brasileiras e várias outras importadas. Eventos como a Churrascada, Bárbaros BBQ e o mais recente Loucos por Carne BBQ Festival misturam boa comida, boa música, bebidas interessantes e harmonizadas, além da oportunidade de um longo dia passado junto à natureza, compartilhando momentos agradáveis e relaxados com amigos e familiares.

Estes são apenas alguns dos exemplos de uma tendência alimentar mundial que também ocorre aqui: eventos alimentares coletivos realizados em ambientes externos que priorizam a experiência, o desejo de realmente participar do evento de preparo da comida, de viver o momento e não ser apenas um expectador e comensal passivo que fica esperando a comida no salão do restaurante enquanto algo interessante está acontecendo dentro da cozinha, pelas mãos experientes do chef e seus auxiliares.

Aliás, como apontam alguns estudiosos de tendências de alimentos e alimentação como a holandesa Marjan Ippel (que mantém o blog talkinfood), já existem restaurantes que estão convidando os clientes a entrar na cozinha e cozinhar junto com o chef, ao invés de ficarem à espera no salão, salivando e permanecendo alheios ao processo.

Se refletirmos um pouco mais, lembraremos também de vários outros casos onde um açougue boutique serve alguns cortes de carne grelhada no local, junto à uma boa seleção de cervejas; ou uma loja de vinhos que mantém um ambiente agradável para degustação do produto, junto a comidinhas gostosas… O consumidor será atraído não apenas pela ideia de buscar o produto na prateleira e já se dirigir ao caixa – o que, aliás, poderia ser feito em qualquer outra loja, ou mesmo num impessoal supermercado. Neste local de vinhos que soma o produto à degustação, ele desfrutará da experiência de consumo, estará possivelmente acompanhado de pessoas que lhe agradam, e ao final da experiência talvez até leve mais algumas garrafinhas de vinho, afinal, aquela experiência agradável poderá transcender o local e seguir proporcionando bons momentos na casa do consumidor.

Mas voltando aos grandes eventos de churrasco em áreas externas, encontraremos neles sempre um grande público, muito alegre, simples e divertido; haverá boa música (americana, sertaneja, gauchesca ou qualquer outra variante, gravada ou ao vivo); diversos food trucks, quiosques ou barraquinhas de preparo e experimentação, boas histórias e bom papo. Haverá churrasqueiros experientes (e outros nem tanto), alguns serão novatos bem “descolados” e outros bem tradicionais. Mesmo quando os eventos ocorrem em grandes cidades, haverá uma sensação de interior, de lugar calmo, de quermesse de antigamente, onde tudo é pacífico, genuíno e simples.

O fogo é um elemento sempre celebrado, com suas cores de chamas que hipnotizam o olhar, sua fumaça que acentua os sabores da carne, os perfumes da defumação e aquela crostinha caramelada ao redor da carne que faz todo mundo salivar e traz sentimentos atávicos de uma reunião à volta de uma fogueira, onde as pessoas se reuníam, conversavam e compartilhavam momentos especiais…

Muito embora exista no inconsciente coletivo uma sensação de paz e conforto proporcionada pelos elementos de “como a vida era antigamente, segura, simples, sem as loucuras das cidades e o stress cotidiano”, existem nestes eventos diversas releituras de alguns elementos.

As carrocinhas ou os trailers de antigamente foram substituídos pelos food trucks, que em geral tem uma comunicação visual bastante atual, com uma pegada vintage para as comidas de “macho”, e comunicação “fofa”, em tons de rosa e outras cores pastéis e suaves, para o momento da gula adocicada.

Muitos dos assadores da carne têm uma pegada hipster, descolada, e com suas barbas, cabelos, tatuagens e roupas xadrez de flanela passam uma atraente sensação de força, de macho, de carnivorismo, de quem come carne mesmo, porque gosta, porque é bom, porque faz bem, e pronto. #prontofalei. (Para mim, que há tempo milito no setor de promoção da carne bovina, é um grato alívio termos evoluído da comunicação de celebridades magras, loiras, bem sucedidas que há 15 anos atrás declaravam comer apenas peito de frango e salada no almoço – e assim passarem a sensação de serem “melhores” do que nós que adoramos carne)…

Porém algo que encanta neste novo momento e formato de celebração do carnivorismo é perceber que há, também, uma evolução no aspecto moral e ético do consumo de carne bovina que (admito solenemente), nós enquanto cadeia produtiva de carne bovina buscamos ignorar durante tanto tempo.

O que se prega nestes eventos não é um consumo desmesurado e automático da carne bovina, e sim um consumo tremendamente consciente, que valoriza este alimento de alta qualidade, garantindo que ele seja originado de uma cadeia de produção de alimentos estruturada para os seres humanos, mas que também considera que o animal de onde o produto originou-se também foi (e deve ser) respeitado, criado com amor e dedicação pelo pelo produtor rural, que o alimentou, o deu de beber, evitou que adoecesse ou sofresse, garantiu para que tivesse preservados os aspectos de bem-estar animal durante sua vida e o transporte para o abate, e que foi processado seguindo os critérios de abate humanitário preconizados pelos organismos de controle de saúde animal mundiais.

Ou seja: um produto de qualidade, que foi cuidado, protegido, respeitado, e que chega para um consumidor que o valoriza, o consome de forma consciente, e que o faz em um ambiente maravilhoso de convívio, simplicidade, experiência e calor. Nossos votos são para que esta tendência permaneça e valorize cada vez mais o real amor dos produtores de bovinos, de toda a cadeia produtiva envolvida no processamento e chegada do produto ao consumidor e no preparo, trazendo uma experiência inesquecível ao consumidor.

Porque a grande verdade é que o pecuarista e todos os demais envolvidos na cadeia produtiva da carne bovina sempre fizeram tudo isto com muito amor e dedicação. Eles só esqueceram de contar esta história ao consumidor. E muitos consumidores, também nunca pararam para pensar neste amor e dedicação.

Felizmente, estas tendências atuais de experiência, simplicidade e carnivorismo, estimuladas por novos atores, com uma comunicação moderna e respeitosa, chegaram para nos ajudar a montar esta narrativa. Muito obrigada.

 

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Andréa Veríssimo

Médica veterinária e Mestre em Administração Rural pela Lincoln University da Nova Zelândia. Apaixonada por carne, teve na infância vivida na fazenda de gado de corte e arroz da família o início deste fascínio, que pautou sua atuação profissional na fundação do SIC – Serviço de Informação da Carne e na promoção internacional da carne brasileira, quando gerenciou o Programa Brazilian Beef da ABIEC. Muitos churrascos para europeus, asiáticos e árabes depois (foi sempre tão bom que nem parecia trabalho!), especializou-se em public affairs ao atuar na Elanco Saúde Animal e BASF Agro e FIERGS. Mãe, esposa e hoje pecuarista no sul do Brasil, além de proprietária da Avelã Public Affairs, continua adorando aprender mais sobre tudo e explicar ao mundo urbano o que é o agronegócio, esclarecendo dúvidas e contando histórias.

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