BeefWeek Fri 0010

Fazer o que tem que ser feito

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Quando criança, eu lembro muito bem meu pai ouvir uma música divertida de uma banda australiana que falava de uma tal “Land Down Under” (Terra de Baixo) que mais tarde viria a descobrir que se referia à Austrália. Passaram-se alguns anos e o destino me levou a essa tal terra. Após cruzar o Pacífico em uma longa jornada, pude ir adentro das porteiras australianas, conhecer sua gente, as fazendas, o gado e os costumes. Desse lugar longínquo, de clima hostil e horizonte inóspito, vou contar um pouco sobre o mote que me marcou “It´s what we do”, em outras palavras, “fazer o que tem que ser feito”.

A primeira porteira que cruzei foi a do Beef Austrália 2018, maior evento da pecuária de corte australiana que reúne toda a cadeia da carne do país, além de muitos estrangeiros e curiosos como eu. A feira expõe tudo de mais atual em tecnologias e informações técnicas, proporcionando um rico ambiente de troca de experiências entre os expositores e participantes. Mas, o que mais chama a atenção é a intensa presença de famílias e jovens na feira, sobretudo, da sociedade urbana, dando a impressão de que Rockhampton, no Estado de Queensland, pára em função da feira. Ao lado de pecuaristas renomados, CEO´s de grandes empresas e consultores internacionais eu vi casais enamorados, grupos de estudantes em excursão e crianças brincando. Todos, à sua medida, envolvidos com a pecuária de corte, força motriz da economia da Austrália, país que exporta mais de 80% de sua produção de carne. A atração da sociedade urbana pela feira possui uma relação de causa e efeito com a relevância do setor para o país, prova disso é a preocupação do evento de esclarecer como se dão os processos produtivos e como a carne chega na prateleira. Bem dizer, mostras de “fazer o que tem que ser feito”.

A segunda porteira que destramelei foi de uma fazenda na cidade de Monto. Junto com o amigo Eduardo Prado fui muito bem recebido pelo casal proprietário e pela sua cachorra boiadeira. Lá fizemos um giro pela propriedade, conhecendo estruturas, gado e manejo. Pude ver uma produção inteiramente a pasto, sob os conceitos orgânicos, que visa atender uma famosa marca de carne orgânica australiana. Garry, o proprietário, comanda a fazenda com a esposa, filhos e “backpackers” (mochileiros estrangeiros que trabalham por temporadas nas fazendas), em uma estrutura fixa muito enxuta, lançando mão de ferramentas de automação no escritório, currais e pastos, já que não há mão-de-obra disponível para a pecuária na Austrália. O clima é árido e naturalmente a lotação cabeça/hectare e produção de quilos/hectare são baixos em comparação a Brasil e Paraguai, por isso agregar valor com adoção de conceitos orgânicos e ter custos fixos reduzidos é fundamental para garantir a rentabilidade e perpetuação do negócio. Fazendo o que tem que ser feito.

 A terceira porteira, que se abriu automaticamente pelo sensor da placa do automóvel, foi a da estação experimental da CQ University em Belmont. Junto a um grupo de mais de 30 pessoas, vi a apresentação de uma balança automática de pesagem de gado, que funciona instalada no próprio pasto de maneira que o animal é pesado de forma voluntária quando passa pelo equipamento, sendo diariamente aferido seu peso e, pela leitura do seu brinco, identificado seu número de registro. Tal ferramenta visa automatizar um processo que normalmente leva muito tempo e desgaste animal e humano, visto que o manejo usual é levar todos os lotes de animais até o curral central para pesagem um por um. Assim, mesmo em  uma produção enxuta com escassez de mão-de-obra é possível ter informações precisas, além de maior bem-estar animal. Fazer o que tem que ser feito.

Ao abrir a porteira do Brasil em Guarulhos, dei-me conta de que tudo o que vi na pecuária australiana, na verdade, já estamos estudando e desenvolvendo no Brasil, não é tudo tão novidade assim para nós. Contudo, não é a média, essas tecnologias são realidades numa minoria que busca incansavelmente a excelência. Tornar tudo isso maioria é um grande desafio, afinal temos quase 10 vezes a população de gado e pessoas da Austrália, o desafio é grande assim como as oportunidades à frente. Nossa terra não é de baixo, é privilegiada pelo clima com riquezas de solo e água, só o buraco que é mais embaixo. Dever acima de tudo, vamos fazer o que tem que ser feito, sem choro nem vela, pra frente Brasil!

Texto de José Pádua

Especialista em Produção e Nutrição de Ruminantes pela Esalq-USP,  Médico Veterinário pela Unesp-Jaboticabal,  Consultor-sócio da Terra Desenvolvimento Agropecuário,  Membro da Comissão Jovem da Famasul-MS.

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