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As caras da pecuária

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O destino aqui me trouxe para contar um apanhado de fatos para vocês sobre o tal dentro da porteira. Missão complexa essa de tentar mostrar à sociedade a cara da pecuária de corte sob o olhar do porteira a dentro, pois, em vários momentos nem mesmo nós, agentes desse lugar incomum, sabemos dizer qual é a nossa cara. Inspirado pelas inquietudes de Celso Viáfora, Luciano Pires e Rodrigo Albuquerque sobre a cara do Brasil, trago aqui algumas constatações sobre o nosso ramo, visões de um jovem participante desse setor multifacetado.

Tempos atrás ganhei de presente um mapa esquemático das linhagens da raça Nelore, principal raça produtora de carne do País. É notória a transformação do biotipo dos animais, fruto da mudança de critérios de seleção. Antes, aspectos morfológicos possuíam grande relevância, a maioria dos reprodutores eram aqueles que agrupavam de forma mais harmônica as características fenotípicas, sendo realmente bonitos, ou melhor, “raçudos”. Nos dias de hoje, avaliações de progênie segundo índices produtivos tem falado mais alto, multiplicando animais mais “carcaçudos” e “costeludos”, não tão bonitos ou “raçudos” segundo padrões de outrora. Critérios divergentes que não por acaso geram grande polêmica e discussão, mas, de fato, nosso boi Nelore atual mostra suas caras, polarizando seleções pelos campos e leilões. Feias ou bonitas? Depende do ponto de vista, afinal a seleção por números é cega, e a pela paixão também.

Por várias vezes cruzei o leste do Mato Grosso do Sul rumo ao interior de São Paulo nos tempos de faculdade. Da janela do velho ônibus Motta eu via uma imensidão de pastagens rapadas, sujas com invasoras, solos desnudos com erosões, uma nítida imagem de degradação. Paisagem que era comum também em vários outros cantos desse meu Brasil. Entretanto, o cenário mudou. No mesmo sentido, hoje em uma estrada nova, eu vejo da janela pastagens verdejantes, lavouras de milho e soja integradas ao capim, curvas de nível riscando o horizonte. Sim, surgiu outra cara para as pastagens, cara viva, cara de quem chegou para ficar, cara de quem vai alimentar o mundo, mas vai ter que encarar ao longo das estradas caras ainda opacas, sujas e sem muito rumo. Talvez o sorriso estampado em verde folhas contagie cada vez mais as redondezas, apesar de que gente besta e pau seco “raleia”, mas não acaba, já dizia Manoel de Barros.

Ao adentrarmos fazendas de pecuária cada vez mais vemos caras novas. Os processos de sucessão familiar e de conquista de espaço tem trazido mais jovens e mulheres para dentro da porteira, ocupando cargos antes dominados pelos mais velhos, sobretudo, homens. Tal processo vem contrariando estereótipos criados ou imaginados pela sociedade sobre os pecuaristas, que quando grandes eram homens ricos e altivos, quando pequenos eram homens pobres e sofridos. Os atuais agentes, pequenos, médios ou grandes, tem mostrado cara de dedicação, de superação, pois realmente não têm a capacidade de execução dos seus pais, mas trazem na cara e no coração um propósito de vida, além do ofício da profissão. Caras com rugas, caras queimadas do sol, caras novas, caras femininas, todas se cruzando e dialogando por aí, sinais da quebra de paradigmas e mudança de conceitos, pois quem via só uma cara não via com precisão.

Pois bem, então qual é a cara da pecuária de corte? Não se responde com exatidão pois são várias as caras que compõe um setor definitivamente diverso. Intrigante distinções, assim como o Brasil, em constante mudança, em busca do seu melhor, à despeito dos tropeços, esboçando sempre uma cara, a de reação.

José Pádua

Especialista em Produção e Nutrição de Ruminantes pela Esalq-USP,  Médico Veterinário pela Unesp-Jaboticabal,  Consultor-sócio da Terra Desenvolvimento Agropecuário,  Membro da Comissão Jovem da Famasul-MS.

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