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Boi bandeira verde e amarelo

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Inspirado pelo quadro Rosa-boi bandeira (2001), de Humberto Espíndola, venho humildemente contrapor o tal velho “complexo de vira-lata” de Nelson Rodrigues. Trago à tona pretextos oficiais e reais sobre a carne brasileira para, além de levantar a nossa autoestima e enfrentar a atual crise, despertar um novo olhar aos elementos corriqueiros da nossa cadeia produtiva da carne, que apresentam diversas oportunidades. Carne brasileira ou carne
orgânica? Tudo verde, junto e misturado, vamos aos fatos e dados. 

Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2017 o Brasil abateu cerca de 30 milhões de cabeças de gado. Desse montante, segundo a Assocon (Associação Nacional de Pecuária Intensiva), cerca de 3,4 milhões de cabeças foram terminadas em sistemas de confinamento. Portanto, 90% da carne produzida no País é oriunda de animais engordados a pasto e 10% de animais confinados. Dentre esses 90% (27 milhões de cabeças) terminados a pasto, existem aqueles animais que passam por alguma suplementação (proteico-energética, sem-confinamento ou “confinamento a pasto”) antes do abate, porém, não há números exatos, tampouco uma fonte consistente sobre esses animais. Estimando um número otimista, a título de reflexão, suponhamos que esse percentual seja de 20% (5,4 milhões de cabeças), o que seria expressivo, segundo amigos da indústria de nutrição. Logo, teríamos 21 milhões de cabeças abatidas sob sistemas produtivos inteiramente a pasto, representando 70% do total abatido no Brasil em 2017. Ao meu ver, um número muito relevante, enquanto aos olhos de outros, seria apenas o boi brasileiro. Para mim é o tal boi verde, boi “orgânico”, boi sustentável, boi “magia” que se nutri somente do que o pasto lhe fornece e alimenta o Brasil e o Mundo. Vamos refletir um pouco mais. 

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Para se fazer produtos com o selo Orgânico há que seguir uma diretriz mundial que por meio de instituições nacionais habilitadas certifica as propriedades, matérias-prima e processos. Em linhas gerais, no Brasil segundo a Lei dos Orgânicos (10.831), ao menos 95 % dos insumos utilizados na produção devem ser de origem orgânica, além de se respeitar integralmente leis ambientais e trabalhistas. Esse nosso boi a pasto normalmente recebe um suplemento mineral (há fazendas que não usam ou somente usam sal branco), vacinas anuais obrigatórias por lei e anti-parasitários uma ou duas vezes ao ano. Uma boa parte das fazendas que o produzem atualmente já possuem o Cadastro Ambiental Rural (CAR) para o qual é requisito a observância das normas ambientais e, ao mesmo tempo, é notório o avanço no respeito às leis trabalhistas, tendo se tornado regra funcionários devidamente registrados e uso de equipamentos de proteção individual. Ainda há os irregulares, os quais não se enquadram no orgânica nem mesmo no convencional, devem ser corrigidos. Porém, de forma geral, temos à nossa frente um boi natural que com os devidos ajustes às normas de regulamentação pode ser facilmente enquadrado no conceito “orgânico”, seguindo o selo mundialmente reconhecido. Seria um enorme avanço uma vez que produtos orgânicos alcançam maiores valores de venda (por exemplo, na Austrália os frigoríficos pagam quase 25% mais no boi orgânico) e acessam mercados mundiais exclusivos, uma grande oportunidade comercial para agregar valor à cadeia. Não precisaremos de grandes investimentos, mas o foco em padronização do produto entregue e seriedade nos processos serão fundamentais.

Como bem comentou Sergio Medeiros em artigo recente, há uma tendência mundial crescente do consumidor em se importar mais sobre a origem do alimento, qualidade e seu respectivo impacto ambiental. No mesmo fluxo, é cada vez maior a onda do vegetarianismo e do ambientalismo. Infelizmente, no Brasil o mercado consumidor, essencialmente urbano, conhece pouco sobre os fatos e dados apresentados. Muitas notícias chegam distorcidas ao
mercado fazendo com que decisões de consumo sejam tomadas baseadas em emoção e “achismos”. Ao mesmo tempo, nós da cadeia produtiva, apesar das Associações e Órgãos de Pesquisas nos proverem com dados, aproveitamos pouco a nosso favor informações técnicas (verídicas), por exemplo, que somos o 2º maior produtor mundial de carne, que mantemos 66% do nosso território em florestas e reservas e que aproximadamente 70% da nossa carne vermelha é produzida a pasto, naturalmente. São inúmeros pontos positivos, mas que são mal explorados pois nos falta mais habilidades de Marketing, Comunicação, Cinema e Estatística, meios adotados por hollywoodianos contra a carne vermelha. Vamos falar a língua da geração Y e Z, já que o óbvio não existe, temos de mostrar a realidade de forma clara e objetiva, sem rodeios, nada mais do que ela realmente é. Se não for o Orgânico como as marcas brasileiras Korin e Guarânia já vem fazendo, poderá ser o “Natural”, o “Verde”, o “Sustentável”. O meu olhar, ainda que um pouco sonhador, não me deixa ver essa fatia da carne apenas como “commodity”. Boa parte dela pode e deve ser mais do que isso. 

Marketing, Cinema e Orgânico não são conceitos de “esquerda”, de “bicho-grilo” o de “gente à toa” como se ouve por aí, mas sim ferramentas extremamente importantes para a perenidade financeira da pecuária de corte e para a própria sustentabilidade ambiental e social da cadeia. Aos vegetarianos e ambientalistas o meu respeito. Ódios aplacados, temores abrandados. Aos brasileiros, redobrada a força. Ao nosso boi verde e amarelo, a verdade e toda a esperança, que de fato existe e é pra vicejar.

Texto de José Pádua

Especialista em Produção e Nutrição de Ruminantes pela Esalq-USP,  Médico Veterinário pela Unesp-Jaboticabal,  Consultor-sócio da Terra Desenvolvimento Agropecuário,  Membro da Comissão Jovem da Famasul-MS.

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