CARNE

A Carne em 2019

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Caros(as) leitores do Blog da Carne,

2019 já chegou e nossa equipe deseja a todos um ano de muitas realizações, saúde, paz e, obviamente, muita carne de qualidade.

Sei que já faz um bom tempo que não escrevo por aqui, mas foi uma ausência construtiva, que me permitiu conhecer a carne muito além da churrasqueira. Fiz o caminho inverso da cadeia, percorrendo os principais elos até chegar ao animal, o que mudou muito a forma como eu vejo a carne (explico no final do artigo). Também participei de diversos eventos e conheci novas empresas, associações, cooperativas e especialistas do setor, que trouxeram um aprendizado enorme, da genética à brasa.

Mas, você deve estar se perguntando: por que você está contando tudo isso?

Explico:  a minha experiência na área e o meu recente aprofundamento em temas ligados ao setor me permitem trazer algumas tendências e esperanças para 2019. Vamos lá?

O que esperar do consumidor em 2019?

Um consumidor mais exigente. Temos diversos perfis de consumidores distribuídos em nosso território continental, portanto não podemos generalizar. Mas, o que antes era um nicho de consumidores “gourmet”, hoje é um segmento de mercado com forte potencial de crescimento. Não encontrei pesquisas embasadas que tragam estimativas confiáveis para esse ano. Mas, é esperado um aumento significativo da demanda por carnes de qualidade superior.

O consumidor está se informando cada vez mais e este fator o empodera no momento da compra. E, embora o preço ainda seja uma barreira para um crescimento mais expressivo, “o coma menos e melhor” tem permitindo que ele compre carnes melhores. Aconteceu com o mercado de vinhos, com as cervejas artesanais e agora com as carnes.
Aliás, já temos marcas brasileiras que podemos considerar o “Brunello das carnes”, ou a chamada “pecuária Nespresso”, conceito que o Roberto Barcellos utiliza. Sua marca, a BBQ Secrets, é uma delas, além da DeBetti, Beef Passion, VPJ, 481 e D.O.C.

Com mais marcas de qualidade, o consumidor tende a buscar cada vez mais informação para saber distingui-las e escolhe-las, pressionando também as carnes commodity a buscarem diferenciação e valor agregado.

A informação chegar à grande massa consumidora é um dos maiores desafios para esse ano e para os próximos. Ainda há muita desinformação, mitos e campanhas contrárias ao consumo que fragilizam o aumento da demanda por carne bovina. O crescimento do vegetarianismo e veganismo ainda não impactam tão diretamente a demanda de carne no Brasil, como nos países europeus, mas é preciso ficarmos atentos aos fatores motivacionais que levam o consumidor a abster-se de comer carne.

Entendo que os eventos de churrasco continuarão com força, mas acredito que de forma mais pontual e com temáticas e públicos mais distintos para se diferenciarem, frente ao aumento de eventos, que dificulta a busca por patrocínios e venda de ingressos.

O que esperar do varejo em 2019?

Há quem diga que tivemos um “boom” de lojas especializadas nos últimos anos. Sim, foi um crescimento expressivo, mas não o suficiente para considerar um “boom”. Se, quem mora nas grandes capitais pode escolher onde comprar, não é preciso rodar muitos quilômetros para o interior ou litoral e ter dificuldade de escolher um bom local de compra. Em Piracicaba, por exemplo, a carne de qualidade é escassa até em varejistas mais gourmet. Portanto, acredito que novas lojas especializadas nasçam, migrem ou expandam para além dos centros urbanos.

Temos também as grandes redes varejistas começando a trabalhar a carne de qualidade de forma mais expressiva, o que acende um alerta para as pequenas e médias, que devem buscar diferenciação. Com uma maior concorrência no varejo e um aumento da oferta de carnes gourmet pode haver uma pressão de queda de preços de forma geral. Para as pequenas e médias não perderem margem e faturamento (clientes), devem investir em marketing, considerando principalmente em formas de fidelização dos clientes e atendimento mais personalizado.

Além de comunicativo, veremos também um varejo mais tecnológico, usando e abusando do e-commerce, de clubes de assinatura e de aplicativos para compra e entrega de carnes, auxiliando aqueles consumidores que não gostam ou não conseguem tempo para comprar. A comodidade é um excelente fator competitivo a ser explorado principalmente nas grandes cidades.

O que esperar da indústria em 2019?

Com uma indústria com maior concorrência, antigos e novos frigoríficos estão em busca por inovações de comercialização, processos, entre outras. Também está olhando cada vez mais para o final da cadeia, de modo que compreendeu o crescimento da demanda por carne de qualidade, seja pelo consumidor ou varejo, o que pressiona a indústria para buscar, processar e comercializar para este mercado.

Mas, como avaliar a carne de qualidade? O que é qualidade? Diversos atributos contribuem para uma carne de qualidade e há diversas metodologias para avalia-la. Uma definição consistente e padronizada deve acontecer esse ano. A ciência e a tecnologia vão auxiliar neste processo com novas e precisas formas de avaliação da carne. Teremos o “Frigorífico 4.0”? Espero que sim.
Novas embalagens (as smart labels) e certificados (como o da BBQ) também são esperados no varejo, de forma a trazer mais segurança e informação. Acredito também que logo veremos rótulos de carnes com informações tão completas como os de vinhos, principalmente em marcas que possuem a produção verticalizada.

No que tange às grandes, vimos algumas entrarem no mercado de carnes gourmet no ano passado, já anunciando maiores investimentos e expectativas que este mercado represente uma boa porcentagem de suas vendas. Como possuem maior poder de escala, é provável que o preço menor que os dos concorrentes seja o grande diferencial competitivo, além da facilidade na distribuição e venda para grandes redes varejistas, ou mesmo de criar as suas próprias lojas.
Em relação aos pequenos e médios, é possível que alguns comecem a penetrar em mercados internacionais que buscam carnes de altíssimo valor agregado.

O que esperar da produção em 2019?

Sim, toda essa pressão por mais qualidade já chegou às fazendas, entrando nas porteiras e tirando o sono de muitos produtores, principalmente porque, com custos de produção cada vez mais elevados, está caro produzir carne commodity. Desta forma, muitos pecuaristas têm enfrentado o dilema de abandonar/trocar de atividade ou agregar valor. Não é uma decisão fácil, pois a primeira implica em deixar de atuar em uma produção na qual muitos possuem uma paixão enorme em exercer, às vezes vinda de gerações. E, por outro lado, agregar significa em investir e, para isso é preciso ter capital.

Um outro grande problema é que, embora a demanda por qualidade chegue ao pecuarista, a rentabilidade nem sempre o alcança, pois ainda são poucos produtores que são bonificados por produzirem melhor. Ora, se eu vendo um boi médio e um gourmet pelo mesmo preço, por que investir na produção? Tal situação desmotiva e inviabiliza a agregação de valor na produção. Porém, como a demanda irá pressionar a todos na cadeia, veremos (espero!) formas de incentivo e bonificação para os pecuaristas produzirem carnes de mais qualidade.

Em relação aos pequenos e médios que possuem capital, podemos ver novas marcas verticalizadas já nesse ano.

Neste contexto de necessidade de agregar valor, veremos uma corrida cada vez maior por melhoramento genético, aprimoramento dos modos de produção na cria, recria e engorda, melhoria nos processos de manejo e administração.

As associações de produtores e raças também terão um papel cada vez mais protagonista, atuando não só dentro da porteira, mas nos frigoríficos, no branding das marcas e nas exportações, exemplo da Associação Brasileira de Angus. Acredito que todas estão vendo cada vez mais além da porteira, buscando uma proximidade maior com os consumidores, participando de eventos de churrascos e atuando mais fortemente nas mídias sociais.
As associações e cooperativas também possuem a grande responsabilidade na difusão e adesão das novas tecnologias junto aos produtores.

Também veremos de forma mais constante a “Pecuária 4.0”, com usos de tecnologia em toda a fazenda, com equipamentos e maquinários inteligentes e conectados (os famosos IoT) e os pecuaristas, cada vez mais, monitorando a produção do escritório, através de plataformas de para gestão, como a da JetBov, inteligência de mercado e tomada de decisão, como @Tech, onde eu também trabalho.

Chegamos ao final da minha análise com muitas perspectivas positivas para esse ano, considerando todos os elos da cadeia. É claro que os desafios são enormes para todos. Como eu atuo nas duas pontas, vejo muitas iniciativas sensacionais em ambas. Mas, ainda há muito a ser melhorado e tenho certeza que estamos caminhando para isso.
Quando eu disse, no início do texto, que estar mais próxima ao animal mudou a forma como eu vejo a carne, quis dizer que, ao presenciar todo o trabalho existente até a carne chegar à minha mesa e ao vê-lo ali, se alimentando, bebendo, interagindo com os demais, eu posso dizer que nunca valorizei tanto a carne como antes. Agora eu realmente entendi o que a Paola Carosella quis dizer ao levar o animal no MasterChef.

A única coisa que me aflige é que tudo o que acontece na cadeia produtiva não chega ao consumidor, com exceção dos escândalos. Eu costumo dizer que “quando compramos carne ruim, matamos o boi duas vezes”. Mas, o consumidor insiste em ir atrás de preço e compra qualquer carne de qualquer lugar, desmoralizando todo o trabalho de quem investe nas boas práticas ao longo de toda a cadeia.

O erro, no entanto, é nosso, que não comunicamos, ou comunicamos mal o que acontece por detrás das gôndolas. Falamos muito para dentro e terceirizamos a comunicação. Não é o governo ou a imprensa que tem que comunicar para o consumidor, somos nós, agentes de toda a cadeia.

Assim, caro(a) leitor(a) do Blog da Carne, eu assino um compromisso para 2019: trazer de forma mais consistente a #informaçãobempassada da genética à brasa, comunicando as boas práticas da cadeia produtiva ao consumidor. Esta sempre foi a nossa missão e o sonho de ser tão relevante em informação para a sociedade como o antigo SIC. Assim, estamos reformulando o site, com novos colunistas e, antes de anunciar as novidades, deixo o convite para você que deseja contribuir com conteúdo para o nosso portal.

Um ótimo ano e até o próximo artigo!

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Juh Chini

Mestre em Gestão Internacional na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e Economista na Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" (ESALQ-USP). Fundadora do Blog da Carne, Líder de Inteligência de Marketing na @Tech, viajante, palmeirense e apaixonada por churrasco, família, amigos e uma mesa de bar. "A vida é a arte do encontro!"

2 Comentários

  1. Parabéns pelo primoroso texto Juliana foi um levantamento de informações muito bem estruturado. Além da necessidade da agregação de valor e como comentou com as margem as vezes estreitas o produtor melhora o progresso genético e a performance zootécnica de seu rebanho. Isso porque deve produzir mais com menos, e é por este motivo que a pecuária brasileira é muito competitiva. Em sistemas de produção mais intensivos, e também nos processos da indústria frigorífica a melhoria está muito ligada à questões técnicas e estratégicas. A negociação dentro e fora da porteira vai evoluir muito, pois hoje como nunca se monitora os processos e tomadas de decisões deixam tudo mais transparente. Esta transparência e reputação poderão agregar valor e melhorar a margem tanto para o produtor como para a indústria e quem deve ganhar muito é o consumidor com produtos melhores. Pequenas mudanças podem trazer muito resultado pelo fator escala. O mercado da pecuária está se transformando, e você traduz esta mudança em suas palavras. As expectativas para 2019 são muito boas e espero poder sempre poder ler textos como este que transfere o que está acontecendo no campo até a mesa. Aproveito para saudar os homens e mulheres do campo, indústria, processamento, atacado e varejo que tem um papel fundamental e nobre de alimentar o mundo!

     

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