IMG 5405

Balaio de Gado

O que achou deste post?

O Brasil é um caldeirão de etnias e povos, oriundos de diversos cantos do mundo que aqui fizeram suas raízes e, pelas esquerdas e direitas, formaram o nosso País de hoje. Da mesma forma, o rebanho bovino brasileiro é composto por variadas raças introduzidas ao passo da história. Das raças de origem européia no século XVI até a última grande importação da raça Nelore da Índia em 1962, o heterogêneo gado nacional acompanhou o desbravamento do território e a expansão econômico-social, trazendo-nos aqui nesse texto uma história e uma reflexão.

O velho Brasil Central primeiramente foi ocupado pelas raças européias levadas pelos Bandeirantes, as quais após processo de seleção natural deram origem a raças brasileiras, como Caracu e Crioulo Lageano. Mas, foi a partir dos fins do século XIX que vieram as raças zebuínas, como o Nelore, o Gir e o Guzerá. Oriundos da Índia, trouxeram o legado tropical da rusticidade, fazendo frente a aridez e a pouca comida, além da tolerância ao calor extremo.
Um semblante místico, típico do oriente, a barbela proeminente que balança ao andar, o pelo curto e alvo sobre uma pigmentação forte, o cupim como gibeira de energia e água e os chifres como lança contra felinos vorazes. Predicados parecidos aos dos sujeitos que viviam nesse centro, rompendo fronteiras em busca de campos para produção de alimento num Brasil que crescia e se ocupava,onde a natureza embora rica era implacável à sua maneira.

No Brasil Sul foi um pouco diferente. Devido ao clima subtropical e à oferta de pastagens, inclusive naturais que ali estavam prontas para uso, as raças européias se desenvolveram melhor, principalmente as britânicas, como o Angus e Hereford. Essas raças se expandiram junto à cultura Gaúcha das tropeadas, charqueadas e gineteadas, cuja abrangência também se estendia a Uruguai e Argentina, até porque naquela época as fronteiras oscilavam sob espadas e balaços. Popularmente chamados de taurinos devido ao nome científico Bos taurus taurus, esses animais trouxeram do velho continente um cobertor externo mais robusto, com pelos mais compridos e grossos, maior deposição de gordura subcutânea e maior capacidade metabólica, o que os torna naturalmente mais adaptados às
regiões frias e, ao mesmo tempo, mais produtivos. Nos últimos tempos criaram fama pela boa carne, na qual impera a natural maciez fruto de uma tal enzima e da maior gordura entremeada, o marmoreio, qualidades que já foram objeto de resenha nesse Blog.

Interessante notar que a variabilidade de característica dessas diferentes raças contribuiu para que o território brasileiro fosse povoado e desenvolvido frente aos desafios específicos de cada região e clima. Com os animais zebu foi possível a produção de carne e seus derivados no então inóspito Cerrado brasileiro. Com os taurinos se ocupou e se desenvolveu o Sul e, bem ou mal, garantiu-se fronteiras para a nação. Contudo, agora o desafio é produzir mais e melhor, o que tem trazido nas últimas décadas a experimentação da cruza entre essas raças. Os efeitos do vigor híbrido (heterose) permitem que os animais resultantes dessa cruza sejam mais produtivos, além de somarem rusticidade com produtividade, resistência com qualidade, adaptação com ambiência. Uma prova de que a mistura é boa e bem-vinda, basta um bom caldeirão e um bom cozinheiro.

Vejo a heterose como um retrato do próprio povo brasileiro, a miscigenação nos fez mais fortes, imprimiu-nos características e costumes positivos de cada etnia, embora,  naturalmente, também trouxe os defeitos. Cabe a nós aceitar e ter o discernimento e sabedoria na escolha e no uso desses atributos frente aos desafios. Hoje, vozes da ONU e FAO reverberam a necessidade de mais comida e paz entre os povos, enquanto tiranos trocam farpas nas redes sociais e mísseis nos céus. Olhando a história e a composição bovina brasileira eu vejo uma luz nesse balaio de gado: compreensão do potencial da junção de raças e povos, como solução e não problema; e maior produção de alimento de qualidade, já que a segurança alimentar é base para a paz mundial.

Texto de José Pádua

Especialista em Produção e Nutrição de Ruminantes pela Esalq-USP,  Médico Veterinário pela Unesp-Jaboticabal,  Consultor-sócio da Terra Desenvolvimento Agropecuário,  Membro da Comissão Jovem da Famasul-MS.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *