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Quando chega o segundo Sol

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Há 5 anos, recém formado, eu voltava para o Mato Grosso do Sul para trabalhar numa multinacional de Nutrição  Animal. Minha função principal era capacitar as equipes das fazendas para o uso dos produtos vendidos. Naquelas andanças, entre um treinamento e outro, percebi que a grande dificuldade dos funcionários de entender o que eu ensinava decorria de lacunas de aprendizado surgidas lá no ensino básico, como falhas em matemática e interpretação de textos. Ao mesmo tempo, visualizei o potencial que o ensino tem de transmitir o conhecimento, quando abordado com aplicações práticas. Isso me inspirou a atuar na educação escolar contribuindo para um melhor aprendizado dos jovens no Brasil, elaborando um projeto intitulado “Segundo Sol”. Sim, foi inspirado naquela música do Nando Reis, sobretudo, na concepção que ele traz de uma nova referência, um realinhamento. Vamos falar aqui de uma nova óptica sobre o conhecimento através do Agronegócio. 

Após grande ajuda e apoio da querida amiga Roberta Maia, da professora Ana Paula Melim e, principalmente, da Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária (CNA) e daFederação de Agricultura e Pecuária do MS (Famasul), em 2016 o projeto nasceu e tomou como mote “o conhecimento sob uma nova óptica, transformando o Agro, mudando o Mundo.” Hoje está em execução em uma Escola Estadual em Campo Grande-MS, após ter passado por 3 escolas privadas na mesma Cidade. O propósito central é levar os temas do Agronegócio para sala de aula, correlacionando-os com os conceitos das disciplinas escolares, mostrando sua interdisciplinaridade, fundamentado em 3 pilares: apresentar o setor Agro com fatos e dados; contribuir para um maior entendimento dos conceitos das disciplinas ao demonstrar as aplicações práticas, tendo o Agro como pano de fundo; e demonstrar oportunidades de trabalho e empreendedorismo no setor. O projeto tem inspiração em ações anteriores como as próprias teorias didáticas de Paulo Freire, o projeto Agrinho (Senar) e a nova Base Curricular Nacional (MEC) que terá grande enfoque nos conhecimentos profissionalizantes e na interdisciplinaridade. 

Levar desafios do nosso dia a dia como, por exemplo, lidar com o solo e o rúmen do boi, bases da produção agropecuária. Sob a óptica da Química, vemos no solo uma solução de macro e micro minerais reagindo entre si, sobre os quais age o tal pH (potencial de hidrogênio que indica o nível de acidez) que interfere nos elementos que estarão disponíveis ou não à absorção da raiz da planta, definindo o potencial de desenvolvimento de uma lavoura ou
pastagem, pois se sabe que não basta ter os minerais no solo, mas também devem estar disponíveis. Já no rúmen do boi coexistem milhões de bactérias e protozoários que atuam na digestão do alimento ingerido. Suas atividades também são influenciadas pelo pH ruminal, isto é, de acordo com o que o boi come é gerado um valor de acidez o qual modula quais tipos desses microorganismos irão atuar em maior proporção. Quando dietas estão desbalanceadas podem gerar níveis de acidez extremos (pH muito baixo) que causam distúrbios metabólicos danosos aos bovinos. Portanto, o bendito pH é extremamente importante na produção agropecuária e, ao mesmo tempo, faz parte da base curricular escolar. Trazer essas aplicações de rotina faz com que o aprendizado não seja somente a “decoreba” de uma fórmula (-log [H+]), mas sim a visualização dos proveitos práticos da sua resolução. É preciso e possível ir além, como casos práticos acima, pondo um novo olhar sobre o tema.

Entender nossa história, de como chegamos até aqui e o porquê que algumas coisas são como são no campo. Por meio da óptica da História e Geografia compreender que nos estados do Sul do Brasil houve uma grande expansão da produção agrícola sob o modelo cooperativista devido à ocupação massiva de imigrantes europeus (italianos, alemães e holandeses) vindos no pós-2ª Guerra. Devido aos tamanhos pequenos e médios das propriedades a Cooperativa foi a ferramenta de unir forças, dando escalas aos volumes de compras e vendas de insumos e mercadorias, garantindo crédito e melhores preços aos cooperados. Hoje as cooperativas são uma potência agroindustrial no Brasil, impactando no PIB nacional, sendo de fato o Brasil que deu certo. Por outro lado, na história de ocupação de outros estados houve e ainda há disputas entre produtores rurais e comunidades indígenas ou movimentos sem-terra. Cada caso com sua complexidade histórica que remonta a jurisdições do tempo do Império, da República Velha e da Democracia atual. Se há uma disputa é sinal de fragilidade jurídica perante a tal cenário, nesse caso, um Brasil que não deu tão certo e precisa ser ajustado. À luz desses fatos vemos que 2ª Guerra Mundial, Imigração Européia, Colonização Portuguesa e Geopolítica estão entrelaçados ao cenário histórico e geográfico atual do Agro brasileiro, o que pode ser melhor compreendido com estudos de casos dessa natureza. Os mesmos temas, mas sob um novo olhar. 

Cabe nesse texto tantas outras correlações possíveis entre conteúdos escolares e o Agronegócio. De todo modo, vejo que essa aproximação entre Agronegócio e Sociedade gera oportunidades, traz clareza e fundamentos à busca de objetivos comuns, afinal já vivemos em uma “Agrossociedade” como disse Tejon, e estamos todos no mesmo barco, remamos para o mesmo rumo, o progresso do País. Precisamos dar embasamento forte aos profissionais que solucionarão os entraves técnicos e socioeconômicos do Agro, do Brasil e do Mundo, pois os desafios à frente são complexos, interdisciplinares, exigem pessoas de preparo e de bom senso e somente com uma educação melhor alcançaremos isso. 

Enfim, só sei que eu fui lá fora e vi dois sóis com explicação. Um que nos provê a energia em vida, em força. Outro que nos dá com assombro a luz do conhecimento diante da infinita visão do saber. Assim será quando o segundo Sol chegar.

Texto de José Pádua

Especialista em Produção e Nutrição de Ruminantes pela Esalq-USP,  Médico Veterinário pela Unesp-Jaboticabal,  Consultor-sócio da Terra Desenvolvimento Agropecuário,  Membro da Comissão Jovem da Famasul-MS.

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